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2020: O ANO QUE NÃO TERMINA EM DEZEMBRO

2020: O ANO QUE NÃO TERMINA EM DEZEMBRO

Adelino Campos faz uma retrospectiva: é sinal de que 2020 não terminará em data prevista e que 2021 adentrará em breve, com suas consequências nefastas. E vai desnovelando as ilusórias percepções humanas. O ano de 2021 não terá o consumismo alienado. O capital mudou de mãos. A máscara de tudo vai bem será retirada e em seu lugar continua a que protege contra o vírus. Demonstra que a ciência entrou em depressão, ao ser desacreditada. Veio o negacionismo, as falsas notícias, ainda não sabemos quem matou Marielle e continua a onda crescente de racismo, preconceitos  e da cruel tentativa de instauração do império da ignorância e da barbárie 

 

O silêncio de “Adeus ano Velho, feliz ano Novo, que tudo se realize, no ano que vai nascer, muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender (Música de autoria de David Nasser e Francisco Alves, gravada pela primeira vez em 1951) ” é sinal de que 2020 adentrará 2021 e quiçá não aprofunde suas consequências nefastas, para mais adiante. Entre esse e os demais anos, as fronteiras serão perpassadas pela fúria de um tempo indeterminado, ainda que mercadores do lucro tentem fabricar ilusões para garantir o consumo desenfreado previsto para o “final” de cada ano.

As saudações feitas entre um ano e outro, como se a cada 12 meses deixássemos para trás as dificuldades e começássemos novas realizações, enfim encontrou seu lugar na falsa ilusão de consumidores obcecados nas vitrines, para ocultarem os mal feitos do sistema de alienação capitalista. Neste dezembro, pelo menos essa máscara será retirada. A realidade de que as contas dos primeiros meses do ano seguinte serão pagas com mais juros, para compensar possíveis perdas anteriores, escancarou-se! De agora em diante a máscara a ser colocada é outra!

A COVID-19 é a grande vilã do momento, com seu vírus espinhento pronto para atacar organismos e destruir suas defesas, mas também eficiente em dominar seu “meio de campo” e promover fortes “contra ataques” celulares. Sua coroa infame ultrapassou as cercas do tempo de 2019 e reinou absoluta no interminável 2020. Dela emergem flechas venenosas à enveredar-se na produção precoce de viúvas e viúvos de pessoas “covidadas”.

Neste período, a medicina e seus profissionais enfrentaram a morte, o desespero geral e a dor das famílias desinteradas, ao despedir abruptamente de um ou mais de seus membros. De repente o mundo reviveu a necessidade de valorizar médicos, enfermeiros, plantonistas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU e demais atores diretamente envolvidos com corpos e cadáveres tragados pela COVID agravada em 2020, ano inacabado, irrigado por torrentes de lágrimas e saudades que perdurarão à eternidade de cada sobrevivente.

Como uma onda gigante, o “corona” formou avalanches fortificadas em imaginários falsos, mas devastadores. Ventos irregulares em diversas direções produziram tsunamis capazes de trapacear a realidade e confundir, por exemplo quem mandou matar Marielle; quem mandou botar fogo na Amazônia e além do mais: quem estava por trás dos dedos indicadores ao votar para destruir, para reformar e para matar de crianças a idosos país a fora.

Ao mesmo tempo foram hasteadas bandeiras em favor da negação e do falseamento do calendário, com a intenção de esticar 2020, em angústias que tornassem ainda mais cruel a realidade dos trabalhadores, desta gente que acorda muito cedo e dorme altas horas, sem tempo para pensar e portanto entrega suas decisões exatamente ao seu algoz. Este é um ano em que voltou às paradas “o dia em que terra parou” (Música de Raul Seixas e Cláudio Cardoso, gravada em 1977), pois “o aluno não saiu para estudar, pois sabia: o professor também não estava lá e o professor não saiu pra lecionar, pois sabia que não tinha mais nada pra ensinar”.

E assim o semestre teve de esperar, para em outro ano penetrar seus dias e emendar os conteúdos expostos, não no quadro lousa, ou giz, mas no satélite, de maneira remota, aonde grande parte dos alunos não conseguem atingir com seus dados móveis. Com a escola esvaziada a ciência também entrou em depressão, ao ser desacreditada como nunca antes fora, desde sua incubação até seu amadurecimento. Foi então que essa “senhora” teve de ir à luta, numa corrida, ou “guerra da vacina”: quem sairá na frente? Quem chegará primeiro? Quem lucrará mais nesta batalha iniciada em 2020?

Minha mãe costumava chamar “ANO” de “ERA”. Então ela diria que a era de 2020 ficará marcada para sempre no calendário dos que não foram. Era em que muitos se elegeram mas teve a posse impedida pelo coronavírus, numa eleição disputada entre os que usaram máscara, contra outros que não usaram. Foi assim no país mais poderoso do mundo: seu governante que ficou famoso pela crueldade com imigrantes, ataques ao meio ambiente, aos descendentes de africanos e a democracia, cedeu lugar para alguém que permaneceu obediente ao vírus.

Uma ERA também trágica e de intensificada prática de racismo. Nela escancarou-se a ceifa de vidas de pessoas, motivada apenas pela cor da pele, como se fosse proibido não ser branco. A vida de George Floyd covardemente interrompida pela polícia estadunidense transformou 2020 num grande movimento contra o racismo arraigado no seio da população. Então foi preciso gritar e exigir black lives matter, ou seja, vidas negras importam e esse grito ecoa nos quatro cantos do planeta expondo a maldita discriminação, que impõe a criminosa supremacia racial.

Doravante não há mais lugar para esconder o racismo. Governantes e pessoas espalhadas pelo mundo estão sendo flagrados, desmascarados e em alguns casos punidos por insistirem em discriminar gente, como se fosse mercadoria; por fazer juízo e manter privilégios, tendo por base a pigmentação epitelial. Em nosso país, braços institucionais criados para proteger e valorizar descendentes de africanos que tiveram suas vidas dedicadas à construção, pela barbárie da escravidão, se tornaram instrumento de exclusão de personalidades negras.

Não bastasse isso, passados 2020 anos da morte de Jesus de Nazaré numa cruz, por discordar dos costumes e criticar a política desumanitária do Império Romano, homens e mulheres fantasiados de seus seguidores, disputam dinheiro arrecadado da venda de milagres e da multiplicação dos lucros arrancados da boa fé de multidões. Esse “mercado da fé” também não foi poupado dos efeitos amargos da COVID-19/20. Ao fechar as “casas de oração” dedicadas aos louvores do Senhor despertou-se, até aos olhos leigos, que sua relação com o capital é tão forte, quanto qualquer outro estabelecimento comercial.

Chega dia 31 de dezembro sem música de despedida, Papai Noel de luto e os sinos do natal tocando fúnebre, a anunciar milhares de mortes diariamente no mundo. Ao fechar 365 dias de incertezas, além das “negaças[3]” tornou-se comum o “negacionismo de Estado” em ano de menos emprego, menos dinheiro na educação e na saúde, menos florestas na Amazônia, menos pequi no Cerrado, menos água e animais no Pantanal; menos direitos aos trabalhadores; mais votos para destruidores do meio ambiente, para usurpadores de terras indígenas e questionadores da igualdade na justiça.

Dois mil e vinte será historicamente lembrado pela tentativa de destruição do Estado de bem estar social, do meio ambiente, da ciência, da ética e do respeito às instituições culturais  e educacionais  . Mas a tentativa de instauração do império da ignorância e da barbárie não encontra bases na ousadia e criatividade do povo brasileiro. Ao virar a folha do calendário para 2021, a luta contra a pandemia de coronavírus, em favor da democracia, da liberdade e da igualdade, iniciada em 2020, continuará…

Música de Raul Seixas e Cláudio Cardoso, gravada em 1977

       Negaça. Palavra da linguagem popular utilizada como complemento verbal para definir o comportamento de sujeito mau caráter. É sinônimo de drible, burla, chamariz, engano, engodo, etc.

Adelino Machado  é escritor – cadeira 25 da Academia de Letras e Artes do Nordeste Goiano – ALANEG.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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