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O LEGADO DE CRULS

O LEGADO DE CRULS

O legado de Cruls

Neste 2014 que se esvai comemoramos os 120 anos de aprovação e divulgação do Relatório Cruls, que definiu os limites do atual Distrito Federal. Muito mais do que demarcar os limites do futuro DF, a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, chefiada por Luiz Cruls, fez um magnífico sobre o da parte central do país, em especial de Goiás.

Por Jaime Sautchuk

A decisão de se implantar a capital do país na sua região central foi da Assembleia Constituinte que elaborou a primeira Constituição da República. A Comissão que percorreu Goiás em 1892 e 93 foi designada pelo marechal Deodoro da Fonseca, mas seu relatório final já foi apresentado ao segundo presidente, Floriano Peixoto, que o sancionou, após aprovação do Congresso Nacional, em 1894.

A Comissão era formada por Cruls, mais 21 cientistas, que percorreram exatos 5.132 km do território brasileiro, em lombo de mula, com numerosa trupe. Na parte principal de seus trabalhos, de demarcação, eles usaram como bases as cidades goianas de Pirenópolis e , de onde saíram os grupos que assinalaram os quatro vértices do retângulo que virou o DF.

Cruls e demais membros da expedição usavam a tecnologia disponível há mais de 120 anos e se baseavam no cosmos para sua orientação nas andanças e medições que fizeram. Foram produzidos estudos, mapas e afixados marcos com incrível precisão, a partir da observação do céu. Assim, foi demarcado o chamado Quadrilátero Cruls, que definiu o formato e os limites onde, 60 anos depois, JK assentaria Brasília.

Mas, ao mesmo , mantinham seus pés firmes no chão goiano, realizando meticuloso levantamento de flora, fauna, clima, topografia, recursos hídricos e das populações humanas que ocupavam esses sertões. Seu relatório e levantamentos posteriores são desde então valiosos instrumentos para estudiosos de todos os ramos das ciências.

Relatório Cruls - foto Lagoa Feia, próxima a Formosa/GO

Louis Ferdinand Cruls nasceu em Diest, na Bélgica, em 21 de janeiro de 1848. Seguindo a carreira de seu pai, cursou Engenharia Civil na Universidade de Gant, em seu país, entre 1863 e 1868. Enquanto isso, entrou para o exército belga e em pouco tempo galgou vários postos. Mas a promissora carreira durou poucos anos, pois ele resolveu vir de mala e cuia pro Brasil.

Ainda nos bancos acadêmicos, ele conhecera vários estudantes brasileiros, que lhe falavam de um país acolhedor e muito promissor nos campos das ciências e da economia. Em setembro de 1874, foi a Pouillac, na França, onde pegaria o transatlântico Orinoque para uma viagem de mais de três semanas ao Brasil. Já nas primeiras horas da jornada, por puro acaso, conheceu Joaquim Nabuco, jovem diplomata brasileiro que regressava de viagem a países europeus.

A Nabuco ele informou que sua estada no Brasil seria de pouca duração, mas de pronto entraria em contradição, pois revelava que havia pedido demissão da carreira militar na Bélgica. Ou seja, estava solto no . A afinidade entre eles foi imediata e se tornaram grandes amigos por longos e longos anos, em solo brasileiro.

No Rio de Janeiro, Cruls não encontrou seus amigos de , mas Nabuco fez as vezes do anfitrião e desde logo o introduziu nos altos ambientes cariocas. Através de seu pai, que era senador, em pouco tempo ele proporcionou um primeiro encontro do novo amigo com o imperador D. II.

O monarca brasileiro, conhecido por seu desprendimento e gosto pelas ciências, logo percebeu os dotes do visitante belga. Nasceria ali, também, uma profícua amizade, e era traçado o roteiro de completa integração de Cruls à vida nacional. Seis anos depois, foi o próprio Pedro II quem assinou a ato de sua naturalização. Com o nome de Luiz Cruls, era um novo cidadão brasileiro.

Sem trocadilho, a trajetória do astrônomo belga no Brasil foi meteórica. Dois meses depois de chegar, ele foi nomeado membro da Comissão Carta Imperial, que faria uma espécie de plano-diretor geral do país. Em viagem oficial à França, para receber alguns equipamentos que o governo brasileiro havia adquirido, ele foi à Bélgica.

Lá, ele publicou, em revista da Universidade de Gant, um trabalho sobre cálculos de medição de ângulos nos campos astronômico e geodésico. Segundo o astrônomo brasileiro Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, o estudo teve grande repercussão nos meios científicos globais e imortalizaram seu nome, que denomina uma das crateras da Lua e outra de Marte.

Em 1881, logo após ser naturalizado, o que era um pré-requisito para o posto, Luiz Cruls aceitou o cargo de diretor do Observatório Astronômico Nacional, talvez a mais importante instituição de estudos e pesquisas do Brasil daqueles tempos.

A esta altura, ele já podia se considerar brasileiro, carioca da cepa, com todos os mesmos sentimentos que assomavam seus novos conterrâneos. Em muitos de seus textos ele falava de “sentimento nacional”, “brasilidade” e apoiava movimentos liberalizantes, em especial pelo fim da escravidão.

D. Pedro II virou seu discípulo no Observatório, no Morro do Castelo, onde dava vazão ao seu gosto por . O imperador chegava sozinho às instalações da instituição, onde a família Cruls morava, e batia levemente na porta – toc-toc-toc…

jk no cerrado
Juscelino Kubitschek no

O dono da casa, como de costume, perguntava:

– Quem é?

Do lado de fora, o outro respondia:

–É o Pedro. – E só entrava após ser autorizado.

Ficava ali, o Pedro de Alcântara, como aluno comportado, arriscando algumas perguntas ou ficando quieto, quando sentia concentração no mestre. E partia quando as questões domésticas, como as refeições em família, por exemplo, se aproximavam. Mesmo assim, virou gente de casa, pois tinha o carinho de toda a prole de Cruls.

Essa proximidade, contudo, para o astrônomo não teve reflexo algum quando foi proclamada a República, em 1889. Muito pelo contrário, quando a Constituinte definiu a demarcação dos limites da nova capital, seu nome já era lembrado como o provável coordenador da missão.

As funções de da Escola Militar por 19 anos, diretor do Observatório, cientista de larga produção e tantas outras atividades não tiravam de Luiz Cruls o ânimo para as tarefas de campo como as que realizou no Planalto Central. Depois, já no início do século 20, ele participou da comissão que fez as medições de fronteira com a Bolívia, em vista da compra, pelo Brasil, do que veio a ser o Acre.

Luiz Cruls faleceu em 1908, vítima de malária e vários outros males contraídos nas suas andanças por Goiás, pelo Acre e por outras partes do Brasil. Morreu na França, onde havia ido se tratar, mas fez questão de ser sepultado no Brasil, desejo cumprido pela família.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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