A GRANDE FLORESTA É CUIDADA POR GRANDES HOMENS

 A grande floresta é feita de grandes homens – Rodrigues Alves, Acre 

 
Por Ana Cristina Barros
 
Sim, homens mesmo. Tomara um dia eu escreva sobre as mulheres de lá. Hoje é sobre os executivos de negócios cooperativos da floresta que conheci e que vou homenagear por meio do Sr. Jotinha, da CooperCintra, do município de Rodrigues Alves, que fica a 11 km e mais de 1 hora distante de Cruzeiro do Sul, no Acre.
 
Uma travessia de balsa faz a demora. A cooperativa fica nas margens do sinuoso e caudaloso Rio Juruá, e ir de carro é mais rápido. Jotinha é ex-presidente e atual tesoureiro. Na camiseta traz uma frase em homenagem à “ditosa” cidade, com direito a ênclise! O melhor rebuscamento dele, contudo, é a gestão da cooperativa e seus associados.
 
O negócio principal deles é o murumuru. Semente oleaginosa de uma palmeira amazônica que produz um óleo – e uma manteiga – com fortes poderes de hidratação dos cabelos. Produzem e vendem 15 toneladas de manteiga ao ano para a Natura e para intermediários que fornecem para ela.
 
Estão trabalhando para promover a torta de murumuru, uma farinha, eu diria, que serve para ração animal. A Universidade tem feito testes. Tudo isso começa com mais de 300 coletores e coletoras de amêndoas na floresta, moradores de 40 a 50 comunidades até 5 dias rio acima, de quem a cooperativa compra a produção e vai acumulando na balsa.
 
Ele citou o nome de umas 15 comunidades e deu os fatos relevantes do caminho. Coisa como, “na Russa Velha, onde tem o projeto de carbono…” No ato da compra, pagam o valor do produto e mais uma subvenção pública pela manutenção da floresta em pé!  No caso da borracha, há uma subvenção privada também, um prêmio no preço, em troca do compromisso de não desmatar. Um grande e funcional sistema de pagamento por serviços ambientais.
 
Para descarregar a balsa, faz poucos meses compraram um trator. O volume é grande. O primeiro passo é a secagem. E o maior motivo não é a umidade, a técnica é para matar a larva de um inseto que não pode entrar na cadeia produtiva. Amêndoas limpas, seguem quebradeira, depois mesa de triagem (12 pessoas trabalhando só na mesa), prensa, extração do óleo que no tonel vira manteiga sozinho. O sonho? Destilar! O óleo destinado vale mais!
 
Hoje essa produção que o Sr. Jotinha coordena com uma diretoria, dois conselhos e uns 150 sócios, em assembleias (sim, ainda tem que gerir os trezentos fornecedores…). Essa é a classe de gente que vive da floresta em pé.
 
A habilidade da gestão cooperativa do presidente aparece nas negociações de preço, gestão dos riscos de transporte, empoderamento do pessoal diretoria durante as reuniões. Jotinha os estimula a falar. Desconfio que ele não tem estudo superior – o Diretor Executivo da CooperAcre foi seringueiro e é formado em matemática e administração!
 
Aprendi uma vez com um presidente de conselho de um grande banco que a regra n. 1 do bom executivo é construir o seu sucessor.  O Sr. Jotinha me disse a mesma coisa quando perguntei pelo segredo do seu sucesso. Ele apontou discreto quem ele tem mira da sucessão e quem ele está discretamente formando!
 
A grandiosidade do Jotinha vai além. Contou que a cooperativa foi criada em 2011 com 70 sócios. Se organizaram e conseguiram as máquinas e o espaço físico, foram atrás de apoio governamental. No caminho, enfrentaram uma crise de produção que manejaram com a forte rede social que move o Acre profundo.
 
Precisavam de capital de giro para rodar a compra da matéria prima, as sementes, que é a vista. Pois, os grandes homens da floresta acordaram que produziriam por 3 anos com lucro zero e assim formariam o capital da cooperativa. Assim fizeram e deu certo!
 
Acabaram de fazer a primeira distribuição dos lucros. “Mas só de 10%, dividimos em partes iguais na medida da produção.” Achei lindo! Move e comove! Viva a floresta e seus grandes homens!
 
Ana Cristina Barros – Consultora. Escritora. Defensora dos Povos da Floresta.
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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