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Altair Sales Barbosa

ALTAIR SALES BARBOSA: MESTRE DO CERRADO

Altair Sales Barbosa: mestre do cerrado

O pesquisador Altair Sales Barbosa é uma pessoa bastante diferente, a começar pela data de nascimento, que foi em 1948, dia 29 de fevereiro. Era ano bissexto. E tem coisas que ele nem gosta de contar, por achar que “ninguém acredita”, como o fato de passar no vestibular da Federal de Goiás com tenros 14 anos de idade e de virar professor da mesma UFG aos 20.

Por Jaime Sautchuk

Aos 9 anos, ele saiu a pé de Correntina (BA), sua terra natal, andando pelos sertões atrás de seu avô, um visionário que editava o jornal “O Batuta” em Goiânia. Na capital goiana, ele logo transpôs o exame de admissão no Liceu, colégio público de referência, à época, para continuar seus estudos.

Dois anos depois, um novo professor de Literatura desafiou os alunos perguntando se alguém já tinha lido “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. Ele levantou a mão. Desconfiado, o desafiante pediu que ele falasse algo sobre o . Ousado, ele indagou:
– O senhor quer a primeira ou a segunda edição?

Diante do sorriso irônico do mestre, ele explicou que havia diferenças na apresentação das duas versões, o que era verdadeiro. E depois discorreu sobre a obra. Impressionado, o professor o levou até a direção da escola e virou seu tutor.

Foi daí que nasceu a ideia de ele não fazer o segundo grau inteiro e, sim, o Madureza, um curso compacto que valia pelo colegial. Em seguida fez o vestibular e passou. Um de seus segredos era a visual aguçada, que o ajudava, mas que em muitos momentos ainda hoje o atrapalha.

Da UFG, ele seguiu para a Universidade Federal do Chile, onde foi aluno de Darcy Ribeiro no curso de Antropologia. Fez pós-graduação em Geologia, Ecologia e Arqueologia. Depois fez doutorado em Arqueologia no Smithsonian Institution, nos Estados Unidos. Sua tese foi publicada em livro, com o título “Andarilhos da Claridade – os primeiros habitantes do Cerrado”.

Na Universidade Católica de Goiás (hoje PUC), onde é professor titular, ele encontrou espaço para voos de maior alcance, centrados no Instituto do Trópico Subúmido. Ele casou-se em 1975, mas sua companheira já é falecida. Tiveram uma filha, que hoje também é professora universitária.

A Xapuri conversou com Altair no Memorial do Cerrado:

Xapuri – O que é o projeto do Instituto do Trópico Subúmido?
Altair – O ITS não é um projeto, é um balaio de projetos. É um centro de excelência do Cerrado, um órgão socioambiental que, ao mesmo tempo, propõe um novo modelo de universidade. Nossa preocupação central é com o Sistema Biogeográfico do Cerrado, que engloba todos os aspectos da vida nessa região, da flora, dos animais e seres humanos.

Xapuri – O que seria esse novo modelo de universidade?
Altair – Além do , pesquisa e difusão do conhecimento, é também papel das universidades participar das decisões da , com intervenções concretas, objetivas. A academia fechada em redomas, sem interagir com as comunidades e ambientes que a envolvem, acaba se distanciando da realidade. Agora, essa aproximação não se dá de modo artificial, mas por meio de um verdadeiro mergulho na sociedade, o que exige competência e credibilidade.

Xapuri – Como mergulhar na vida da sociedade?
Altair – Essa aproximação se dá pela criação de mecanismos que atuem como canais de comunicação entre as diversas comunidades envolvidas em seu . Isso se dá até fisicamente. Essa é a razão da existência dos centros avançados do Instituto. É uma presença que demonstra de forma clara a preocupação com a preservação ambiental como forma de assegurar a vida no futuro, com qualidade. A Estação de Uruaçu, por exemplo, está lá, o tempo todo estudando, analisando impactos e propondo soluções para os problemas advindos da formação do lago da usina de Serra da Mesa.

Xapuri – Qual o papel do pesquisador nesse processo?
Altair – O cientista, no mundo em que vivemos, não pode ser inteiramente desligado da problemática econômica, social, política e cultural de sua sociedade. Muito pelo contrário, ele deve estar comprometido profissional e humanamente com a transformação da realidade circundante, promovendo o crescente do seu povo. Deve estar junto na superação dos problemas da , da ignorância, das doenças, do atraso, da marginalização.

Xapuri – O processo de ocupação do Cerrado tem causado que tipo de impacto sobre a sociedade?
Altair – Os cerrados são, hoje, algumas das últimas regiões da Terra capazes de suportar, de modo imediato, a produção de cereais e a formação de pastagens. Por isso, o bioma tem atraído grandes investimentos e provocado modificações significativas, como o aumento de aglomerados urbanos e inchaço de cidades. A causa fundamental disso está no modelo econômico que se instalou, voltado para o lucro imediato, sem nenhuma preocupação com as questões globais do e da ecologia do Cerrado.

Xapuri – Quais as perspectivas futuras do ser humano?
Altair – O homem atual é resultado de dois processos evolutivos que se sobrepuseram ao longo dos tempos. Um é o da evolução biológica, em conjunto com os demais seres vivos, que gera adaptações e leva à seleção das espécies. O outro é cultural, que resulta dos avanços tecnológicos promovidos pela espécie humana e que geram problemas demográficos, afetam o seu bem-estar. O rumo que este irá tomar depende da visão predominante no processo evolutivo, que será definida pelo próprio ser humano.

Leia também: CERRADO: SERTÃO DO BRASIL CENTRAL

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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