Povo Kayapó luta para expulsar garimpo

Povo Kayapó luta para expulsar garimpo

Povo Kayapó luta para expulsar garimpo

Reativação da mineração ilegal dentro da TI Baú, apoiada inclusive por grupos indígenas pró-garimpo, tem elevado a tensão no Pará; grupo de guerreiros Kayapó flagrou e deteve 9 garimpeiros não-indígenas…

Por Cicero Pedrosa Neto/via Amazônia Real

Um grupo de 28 guerreiros do povo Kayapó, liderados pelo cacique Bepdjo Mekrãgnotire, desistiu de procurar por conta própria invasores da Terra Indígena Baú. Nos últimos dias, eles se deslocaram de sua aldeia em busca de pontos de exploração ilegal de ouro, em uma localidade conhecida como “Pista Velha” – por abrigar, em outros tempos, um pouso clandestino utilizado por garimpeiros. A Pista Velha já tinha sido desarticulada no ano passado, mas diante do retorno de garimpeiros os indígenas estavam dispostos a reagir. A ação dos indígenas obrigou a Polícia Federal (PF) a se deslocar até a região, depois de ser acionada pelo Ministério Público Federal (MPF). A PF afirmou, em nota, ter buscado  a resolução pacífica de um possível “conflito armado”.

A TI Baú é habitada por indígenas isolados Pu´rô, pelos Mebengokre Kayapó e Mebêngôkre Kayapó Mekrãgnoti. Ela está localizada ao longo dos rios Curuá e Baú, afluentes do rio Xingu, próximo ao município de Novo Progresso, no sudoeste paraense. Desde o dia 6 de maio, lideranças Kayapó relataram à Funai, ao MPF e ao Ibama, a presença mais ostensiva dos garimpeiros no território.

No último dia 18, esse grupo de guerreiros Kayapó desceu o rio Pixaxa e percorreu mais 6 quilômetros dentro da mata até flagrar e deter garimpeiros que estavam reativando o garimpo de Pista Velha. Eles prenderam os invasores por quatro dias e depois os libertaram três dias depois. “Esse garimpo já está há um bom tempo lá e nós já falamos pro Ministério Público, pros órgãos competentes, para retirar as pessoas de lá dentro da lei. Mas nós nunca tivemos resposta. Aí o cacique Bepdjo levou os guerreiros lá pra retirar os garimpeiros. Quando chegaram lá encontraram nove garimpeiros, um fugiu”,  disse à Amazônia Real Mydjere Mekrãgnotire, liderança do povo Kayapó da TI Baú.

A liderança enviou um vídeo de 21 de maio em que cobra a presença do MPF, da Funai, do Ibama e da PF. Mydjere é vice-presidente do Instituto Kabu, organização indígena que atua nas TIs Baú e Menkragnoti. “Nesse momento, o cacique Bepdjo e seus guerreiros estão lá e prenderam nove garimpeiros. A qualquer momento pode acontecer o derramamento de sangue do povo Kayapó por causa do ‘, alertou, no vídeo, a liderança.

Nos últimos três anos, foram abertos seis novos focos de garimpo, “além da reativação e da tentativa de retomada de garimpos antigos” no território dos Kayapó. A é do instituto Xingu +, composto por indígenas, ribeirinhos e membros da sociedade civil. Foram eles que mapearam as ações de garimpeiros na região e em sobrevoo realizado em 2 de maio. Também flagraram a operação de duas balsas garimpeiras explorando sedimentos em busca de ouro no rio Curuá. 

GRAFICO 1 XINGU

Em documento do dia 6, a entidade afirma que existem “conflitos envolvendo indígenas Kayapó que divergem sobre o garimpo no território”, e que há “um grupo que preserva o território da TI Baú, e que querem manter a e os rios em ótimo de ” e outro “grupo Kayapó que está associado a não indígenas, e que exploram atividades ilegais como o garimpo, e vem promovendo destruição do ambiente natural de forma rápida e irreversível”. Esses últimos Kayapó é que querem a reabertura dos garimpos “Pista Velha” e “Pista Nova”.

De acordo com a entidade, a maioria das áreas de garimpo pode ser acessada por via fluvial ou aérea. Segundo ela, o povo Kayapó tem sofrido nos últimos anos com tentativas recorrentes de aliciamento e cooptação para “atuarem nos garimpos ilegais e servirem de escudos humanos contra as operações de fiscalização, suscitando conflitos internos e desestruturação social entre os membros do povo”.

“A situação é agravada pela falta de operações coordenadas de fiscalização e de investigações para prevenir e reprimir de forma eficiente os crimes cometidos, o que também coloca em risco as lideranças indígenas que realizam denúncias e apoiam o trabalho dos órgãos de comando e controle”, diz o Xingu+ em ofício enviado aos MPF, Ibama, à Funai, PF e Coordenação da Operação Guardiões do Bioma, do Ministério da .

Conflitos de versões

Material encontrado em garimpo ilegal localizado na "Pista Nova", na TI Baú, no sudoeste do Pará
Material encontrado em garimpo ilegal localizado na “Pista Nova”, na TI Baú, no sudoeste do Pará (Foto: Divulgação)

Até o sábado (21), a PF ainda não tinha entrado no caso porque, segundo declarou a assessoria do órgão no Pará, buscava a “confirmação mínima dos dados”. No dia seguinte, segundo nota enviada à reportagem, com a “situação de iminente e de conflito no âmbito dos indígenas Kayapós, a Polícia Federal elaborou um plano de ação urgente, para o gerenciamento imediato da crise em curso, com a previsão de uma ação coordenada de retirada, via aérea, dos garimpeiros capturados”. 

A ação contou com a participação da Operação Guardiões do Bioma, da Funai, da Força Nacional de Segurança Pública, da Polícia Rodoviária Federal (PRF), e do ICMBio. Ao chegar ao local no domingo, os garimpeiros já haviam sido liberados pelos indígenas.

A PF disse em nota que convenceu o grupo de guerreiros liderados pelo cacique da aldeia Baú a deixar o local na segunda-feira (23), sob a promessa de que eles retirassem os invasores e tratasse com a Funai sobre a realocação dos indígenas a favor do garimpo.

A PF disse que atuará na responsabilização criminal dos “possíveis infratores” e que seguirá atuando no combate ao garimpo nas terras indígenas do povo Kayapó. Procurada pela Amazônia Real, a Funai não se manifestou até a publicação desta reportagem.

O grupo pró-garimpo

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Vista aérea mostra atividade garimpeira na TI Baú, no sudoeste do Pará (Foto: Divulgação)

A presença de indígenas favoráveis ao garimpo é real e se dissemina pela Amazônia. São eles que passaram a atuar também como uma espécie de porta-vozes da mineração em terras indígenas, como defendido publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro em mais de uma ocasião. 

Ao jornal Folha do Progresso, um grupo de indígenas, que diz representar sete aldeias do território Baú, nega os fatos relatados por Mydjere Mekrãgnotire. Segundo esse relato, o local onde esteve o grupo liderado pelo cacique Bepdjo seria um novo aldeamento chamado Rójtikôre, localizado no centro da TI. “Esse indígena, Mydjere Kayapó, só trouxe desinformações e gastos desnecessários aos cofres públicos com sua falsa informação”, diz o grupo de indígenas pró-garimpo.

O grupo dissidente afirma ainda que no local conhecido como Pista Velha não há maquinários de garimpo em operação e que os homens encontrados no local eram “exploradores”. “A abordagem dos indígenas na Pista Velha ocorreu porque membros desta aldeia Baú permitiram a sondagem desta área”, defendem. Os indígenas que assinam a nota também pedem a presença das autoridades no local para atestar ou não a ocorrência de ilegalidades na aldeia Rójtikôre.

Escalada do garimpo

Vista aérea detecta a presença de balsas de garimpo ilegal no rio Curuá, na TI Baú
Vista aérea detecta a presença de balsas de garimpo ilegal no rio Curuá, na TI Baú (Foto: Instituto Xingu+)

De acordo com dados do Prodes, sistema de monitoramento de áreas desmatadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), listados pelo Instituto Xingu+,  somente entre 2018 e 2021 as áreas de garimpo na TI Baú já somam cerca de 293 hectares. Os dados são maiores do que o total de 2008 a 2017, quando se registrou um total de 150 hectares de áreas desmatadas.

Os Kayapós são um dos povos indígenas que mais sofrem com a escalada do garimpo na Amazônia. Há cerca de 40 anos as atividades ilegais de exploração de ouro impactam os modos de vida e a saúde das famílias nas TIs Kayapó, situadas ao longo dos afluentes do rio Xingu, nos Estados do Pará e do Mato Grosso.

O Pará, em particular, é um dos maiores epicentros de conflitos no campo e de violências contra populações tradicionais e originárias no . Isso graças às atividades ilegais de garimpeiros, madeireiros, grileiros e pistoleiros, que atingem sobretudo povos indígenas, quilombolas, agricultores familiares e ribeirinhos. 

Os meses de abril e maio já podem ser considerados os piores deste ano no Pará, em se tratando de invasões, violações de direitos e iminência de conflitos agrários. O garimpo ilegal é uma das atividades mais ameaçadoras da Amazônia.

Em 2019, o MPF encomendou a coleta de amostras do tecido do quelônio amazônico tracajá (Podocnemis unifilis) e de três espécies de dos rios Curuá e Baú: piranha, pescada e mandubé. O resultado das amostras coletadas nos rios, à beira dos quais estão as aldeias do povo Kayapó, revelou concentrações de mercúrio acima do considerado seguro pelas Organização Mundial de Saúde (OMS).

A contaminação por metais pesados de corpos humano e não-humanos, rios e igarapés, o desmatamento em alta, as disputas territoriais, invasões e ameaças de a lideranças locais são a síntese do cenário alarmante em que se encontra o segundo maior Estado do País e um dos mais sangrentos da Amazônia.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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