Balsas de garimpo voltam ao Madeira com aval de políticos do Amazonas

Balsas de garimpo voltam ao Madeira com aval de políticos do Amazonas

Presidente da Assembleia Legislativa é contra a explosão das balsas pela Polícia Federal e diz que é a favor da legalização do garimpo. A atividade é proibida pela Justiça Federal…

Por Alicia Lobato/via Amazonia Real

Ribeirinhos dos municípios de Autazes e Nova Olinda do Norte, no estado Amazonas, estão presenciando desde o final de junho o retorno ao rio Madeira das  balsas com dragas de garimpos. Há menos de um ano mais de 130 equipamentos foram destruídos com fogo pela Polícia Federal por crime ambiental. 

Os garimpeiros que exploram ilegalmente ouro na região receberam um forte apoio político da Assembleia Legislativa do Amazonas. Na sessão desta quinta-feira (14), o presidente da Casa, deputado estadual Roberto Cidade, do partido União , da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL), questionou a ação da polícia e disparou: “Sou a favor da legalização”. 

Cidade afirmou que precisa ser realizada uma audiência pública “para não acontecer o que aconteceu meses atrás, a Polícia Federal foi lá explodiu tudo, as pessoas perderam sua balsa, pessoas de bem que estavam lá. Sou a favor da legalização”, disse no plenário, contrariando a decisão da Justiça Federal, que determinou a destruição dos equipamentos de garimpo em operações da PF.

O deputado Cabo Maciel (PL) foi à tribuna da Casa para também apoiar o garimpo no Madeira e dizer que a extração de ouro no sul do Amazonas corresponde a 30% da das famílias dos municípios da região, incluindo ainda Borba e Humaitá. Ele, que citou também o município de Novo Aripuanã, pediu a realização de uma audiência pública para discutir o tema “e tomar a frente disso e buscar soluções”. “Ali atende milhares de famílias, esse é um fato, a extração de forma artesanal, é a que tem que trabalhar para se legalizar, colocando normas e fiscalização”. 

Cabo Maciel (PL) (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)

Na sessão, outro parlamentar pró-garimpo, o deputado estadual Fausto Júnior, também do União Brasil – partido do governador do Amazonas, Wilson Lima – , disse que a atividade pode ser de forma sustentável, mas não explicou como isso é possível. O problema é que o maquinário usado no garimpo fluvial retira areia no fundo do manancial e utiliza mercúrio, provocando dano ambiental e contaminação da fauna aquática, além de prejudicar a da população ribeirinha dessa parte da Amazônia Ocidental. A atividade também é proibida pela Justiça Federal desde 2017 (Leia mais abaixo).

“Nós precisamos trazer essa pauta para que possamos de uma vez por todas separar o joio do trigo. É possível sim fazer exploração mineral no Amazonas de forma sustentável, regulamentada, de forma que, através do manejo, vai ter menos agressões ao meio ambiente”, disse Fausto Júnior.

Uma pessoa que avistou as balsas durante um voo disse à Amazônia Real que as dragas podem ser encontradas durante todo o percurso do rio Madeira, de Porto Velho, em Rondônia, até o sul do Amazonas. Segundo a fonte, há 25 dias ele avistou as balsas seguindo para a cidade amazonense de Humaitá. “A informação que eu soube é que as balsas desceram o rio e estão na área de Nova Olinda, do Rosarinho, o rio Madeira todo está cheio de dragas”, disse.

Em sessão anterior, realizada na terça-feira (12), o deputado Serafim Corrêa (PSB) afirmou que a ação no rio Madeira não pode ser classificada como “garimpo artesanal”, uma vez  que o custo de uma draga é “no mínimo 1 milhão de reais”. O parlamentar levantou suspeitas sobre o negócio. “Tem alguém por trás dele, para que essas balsas funcionem elas precisam de diesel e este diesel está sendo roubado por piratas do rio tanto no rio Madeira quanto no Purus”, destacou o parlamentar, mencionado um caso de suposta pirataria que aconteceu no município de Japurá no dia 6 de julho. Na ocasião, um homem foi morto carbonizado quando populares atearam fogo nele, ainda vivo, por suposta acusação de ser “pirata do rio” e roubar combustível de garimpeiros. 

Outro homem, que estava numa embarcação, foi atingido por tiros, conseguiu pular no rio e está desaparecido. As mortes causaram tumulto na cidade de Japurá, banhada pelo rio Solimões. A Secretaria de Segurança Pública prendeu dois acusados pela morte do homem carbonizado. A violência na cidade aumentou após a chegada de balsas com dragas de exploração ilegal de ouro.

O deputado Cabo Maciel também citou cifras milionárias nos investimentos do garimpo em Japurá e Jutaí, na calha do rio Solimões. “Lá é brutal o negócio, ninguém extrai (o ouro) com balsinha, não. Lá é com dragas de 6 e de 8 milhões (de reais). O Amazonas não fica com um real. Tem poucos ficando podre de rico e tem muitos passando fome naquela região”.  

Maciel também falou do envolvimento do crime organizado nos garimpos. “Esse tema hoje está gerando um clima de guerra naquela região (Japurá e Jutaí) onde os narcotraficantes, onde pessoas no anonimato operacionalizam de forma  brutal essa exploração e o estado não ganha nada com isso, o povo não ganha nada com isso. Nós enquanto poder temos que buscar a solução para esse extrativismo mineral seja de forma artesanal e legalizado”, disse. 

Justiça proibiu o garimpo

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Balsas de garimpo no rio Madeira entre Porto Velho e Humaitá há 25 dias
(Foto cedida por Alex Ximango)

Atividades como garimpo, exploração de madeira e minérios trazem grandes prejuízos ambientais para rios, lagos e para dentro das unidades de conservação e terras na Amazônia. Esses crimes aumentaram com a entrada de Bolsonaro no governo, pois o presidente apoia as atividades e pretende, inclusive, aprovar um (PL) para a exploração de minérios em terras indígenas. Para o Ministério Público Federal (MPF), o PL é inconstitucional. 

A mineração no Madeira sempre tive apoio dos políticos do Amazonas. Em 2017, o ex-governador do Amazonas Amazonino Mendes (Podemos) licenciou a atividade sob a justificativa de que “a extração mineral é uma fonte de renda rápida para famílias de comunidades ribeirinhas existentes ao longo da calha do Rio Madeira.” Amazonino é pré-candidato ao governo do Estado nas deste ano.

A Justiça Federal condenou o Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam) a anular as licenças concedidas irregularmente por Amazonino para as atividades de extração de ouro no leito do rio Madeira, em área de mais de 37 mil hectares, na região sul do Amazonas.

A sentença, que permanece válida até os dias atuais, reafirmou uma decisão liminar de dezembro de 2017 nesse mesmo sentido. Com isso, toda a atividade garimpeira antes amparada por essas licenças irregulares deve ser paralisada. A ação que originou a sentença é do MPF em ação civil pública. Atualmente, o processo está em fase de recurso.

Em 2021, a “corrida do ouro ilegal” levou mais de 300 balsas à região da foz do Madeira, em Autazes (AM). Foram contabilizados pelas investigações cerca de dois mil homens atraídos pela fofoca (boatos) de que na área seria possível encontrar o minério no leito do rio. As cenas das centenas de balsas enfileiras tiveram repercussão internacional. Por trás da atividade estão ainda conflitos e exploração sexual de crianças e adolescentes. 

Em nota divulgada à imprensa, Danicley de Aguiar, porta-voz do Greenpeace na Amazônia, disse que a de uma política de regional tem contribuído para a presença constante dos garimpeiros na região: “De uma vez por todas, o Estado brasileiro precisa compreender que precisamos ir além das ações de comando e controle, e estruturar outras políticas que nos permitam superar a economia da destruição que consome rios e florestas”.

O que dizem as autoridades

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Balsas de garimpo no rio Madeira entre Porto Velho e Humaitá há 25 dias
(Foto cedida por Alex Ximango)

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas (Sema), por meio da assessoria, afirmou que, ao identificar a presença das balsas mineradoras, comunicou o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para tomarem providências. “O Sistema Estadual do Meio Ambiente esclarece, ainda, que as balsas estão ancoradas no rio Madeira e localizam-se em área de competência dos órgãos federais”, disse a Sema, acrescentando que, apesar da competência ser dos órgãos federais, o governo do Estado está a disposição para atuar em parceria com outros órgãos.

Em resposta à Amazônia Real, o MPF do Amazonas afirmou que, diante das denúncias apresentadas por meio de matérias jornalísticas a respeito de prática de garimpo ilegal no rio Madeira, será instaurado procedimento para apuração do caso e pontuou.

“No curso do procedimento, o MPF provocou as autoridades de investigação policial e de fiscalização administrativa, mas os detalhes estão sob sigilo para a preservar a utilidade da apuração”, diz a nota. Sobre o resultado das ações realizadas em novembro, o MPF afirmou que o processo ainda está em andamento e sob sigilo.

Como foi enfatizado em novembro de 2021, quem mora na região sofre com a preocupação constante da contaminação por mercúrio que ocorre em áreas afetadas pelo garimpo ilegal. O mercúrio, produto usado como ímã para grudar os pedaços menores de ouro, é constantemente usado pelos garimpeiros ilegais. A atividade causa um grande impacto nos rios e na saúde das pessoas que se alimentam dos da região. 

Na segunda fase da operação Uiara, em dezembro de 2021, a Polícia Federal divulgou o resultado da perícia realizada em comunidades próximas ao rio Madeira, entre os municípios de Autazes e Borba, para a identificação do mercúrio. No laudo, foi apontado contaminação por mercúrio até três vezes maior do que o limite considerado admissível pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 

De acordo com o documento, o nível de mercúrio na água é de 15 a 95 vezes maior do que o aceitável para o consumo e uso recreativo. No corpo humano o mercúrio pode causar dificuldades motoras e afetar o campo neurológico, comprometendo a . (Colaborou Kátia Brasil)

(Foto cedida por Alex Ximango mostra balsas de garimpo no rio Madeira partiriam de Porto Velho, Rondônia, na divisa com o sul do Amazonas).

http://xapuri.info/mercurio-do-garimpo-contamina-peixes-dentro-e-fora-da-amazonia/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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