O último Tanaru

O último Tanaru, o “Índio do Buraco”, é encontrado morto em Rondônia

O último isolado voluntariamente da Indígena Tanaru, conhecido como o “Índio do Buraco”, foi encontrado morto na maloca, na terça-feira (23 de agosto), pelo sertanista Altair José Algayer, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé da Fundação Nacional do Índio (Funai), no sul de Rondônia…

Por Kátia Brasil/ Real

À Amazônia Real, o indigenista Marcelo dos Santos, que trabalhou na proteção do indígena Tanaru, disse que o sertanista Altair José Algayer fazia o monitoramento territorial quando encontrou o corpo do isolado, que aparentava ter 60 anos.

“Ele foi encontrado na rede e coberto de penas de arara. Acreditamos que o corpo, isso é só especulação, não sou legista, estava lá há uns 40 a 50 dias. Ele estava esperando a , não tinha sinais de . O Altair fazia visitas, quatro ou cinco vezes por ano. Mas é preciso investigar se houve alguma doença ou contaminação”, afirma Marcelo dos Santos.   

A Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé, ligada à Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), monitorava o indígena Tanaru há cerca de 26 anos. “Ele era o único sobrevivente da sua comunidade, de etnia desconhecida”, disse em nota a Funai, que descartou morte por violência. 

A notícia da morte do Tanaru foi divulgada no sábado, 27 de agosto, às 12h15 (horário de ), pela conselheira da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Walelasoetxeige Paiter Bandeira  Suruí, a Txai Suruí, em sua página da rede social no Twitter.

 “Mais um genocídio no Brasil. O “Índio do Buraco”, como era conhecido, símbolo de resistência, pois negou até seus últimos dias o contato com o não indígena é encontrado morto, paramentado como se soubesse que sua morte estava próxima”, disse.  

A Terra Indígena Tanaru, que tem 8.070 hectares, é classificada como restrição de uso desde 1998. O território fica entre os municípios de Chupinguaia, Corumbiara, Parecis e Pimenteiras do Oeste. Na região conhecida como Cone Sul há muitas fazendas de produção agropecuária.  Por não ser demarcado, o território está sob ameaça de invasões e ataques.

A Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé é coordenada pela de Txai Suruí, a ambientalista e indigenista Ivaneide Bandeira, conhecida como Neidinha Suruí. “Essa morte mostra a extinção de um povo em pleno século 21. Mostra que a indígena não está protegendo os povos isolados. É fundamental que a Funai investigue a morte e como se deu, já que ele foi encontrado morto, usando as vestimentas tradicionais. E que mais uma vez não se faça como estão fazendo com o Ari Uru-Eu-Wau-Wau, culpar a própria vítima de conflitos na terra indígena com as invasões de madeireiros, garimpeiros e grileiros”, disse Neidinha. 

Os indígenas considerados isolados são os povos que não têm contato com a nacional, segundo a Funai, possivelmente por resultado de violentos encontros do passado e da contínua invasão e destruição de sua floresta. Na Amazônia brasileira existem, pelo menos, 100 grupos de indígenas isolados, diz a fundação, sendo que a maioria na Terra Indígena Vale do Javari, onde foram assassinatos há três meses indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips.

O indígena Tanaru era chamado do “índio do Buraco” porque ele escavava dentro da maloca, feita de palha. Em entrevista ao programa Globo Amazônia, o sertanista Altair José Algayer disse que acreditava “que o buraco tenha valor místico para o indígena”, e ele se alimentava de “animais como porco-do-mato, jabuti e pássaros, caçados com flecha ou capturados em armadilhas, e também de mel”.   

Em nota divulgada no sábado (27 de agosto), a Funai disse, sem citar o nome do sertanista José Algayer, que descartou sinais de violência na morte do indígena Tanaru. “Não havia vestígios da presença de pessoas no local, tampouco foram avistadas marcações na mata durante o percurso. Também não havia sinais de violência ou luta.

Os pertences, utensílios e objetos utilizados costumeiramente pelo indígena permaneciam em seus devidos lugares. No interior da palhoça havia dois locais de fogo próximos da sua rede. Seguindo a numeração da lista de habitações do Índio Tanaru registradas pela Funai ao longo de 26 anos, essa palhoça é a de número 53, seguindo o mesmo padrão arquitetônico das demais, com uma única porta de entrada/saída e sempre com um buraco no interior da casa”.  

Em outro trecho da nota, a Funai diz que a Polícia Federal realizou perícia no corpo do indígena com apoio de legistas do Instituto Nacional de Criminalística (INC) e peritos criminais de Rondônia.  “A Funai lamenta profundamente a perda do indígena e informa ainda que, ao que tudo indica, a morte se deu por causas naturais, o que será confirmado por laudo de médico legista da Polícia Federal”, concluiu o órgão.

À reportagem, a PF de Vilhena (RO) informou que a equipe que está periciando o corpo do indígena Tanaru é a mesma que trabalhou nos laudos das vítimas dos desastres ambientais de Brumadinho e Mariana, em , e do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips. Segundo a polícia, serão realizados exames toxicológico e de antropologia forense – esse pode trazer respostas sobre a etnia do “Índio do Buraco”.  

Neidinha Suruí disse à reportagem que trabalhou no levantamento da ocupação da Terra Indígena Tanaru, entre os anos 80 e 90, e destacou o legado do indígena que vivia isolado. “É fundamental que o indígena isolado Tanaru seja enterrado em seu território, não se pode negar isso.

É fundamental se fazer uma homenagem ao indígena neste momento. Me sinto extremamente triste com o que aconteceu, especialmente por ter atuado no levantamento da ocupação. Espero mesmo que se faça a proteção dos indígenas isolados no Brasil, pois, assim como ele, outros estão em perigo”, disse a coordenadora da Associação Kanindé. 

Kátia Brasil – Jornalista. Kátia é cofundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo amazoniareal.com, onde esta matéria, produzida com a colaboração de Josi Gonçalves, de Rondônia, foi publicada originalmente. 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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