O mar na agenda ambiental do governo brasileiro
Em carta aos Ministérios do Meio Ambiente e Pesca, organizações cobram antigas demandas e pedem ação conjunta para a reinserção do ecossistema marinho na agenda ambiental do País.
Colaborar com a reinserção do mar na agenda ambiental brasileira e com o reposicionamento global do País no que diz respeito a uma agenda positiva internacional. Isto é o que buscam mais de 30 organizações dedicadas à conservação marinha em carta que está sendo apresentada aos Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e Pesca e Aquicultura (MPA) desde maio. O documento elenca mais de uma dezena de demandas – das quais muitas antigas – consideradas fundamentais para o avanço da atual gestão do Executivo Federal no tema.
O coordenador de Desenvolvimento Institucional do Instituto Baleia Jubarte (IBJ), uma das organizações que assinam a carta, conta que o que motivou a iniciativa foi a necessidade de lembrar o governo que o mar também precisa ser objeto de ações e políticas específicas. “Apesar da urgência em reverter a devastação da Amazônia, o bioma marinho também é um imenso patrimônio natural que está sendo devastado de forma acelerada”, conta José Truda Palazzo Jr. a ((o))eco.
Ele explica que em um momento onde se tem um movimento global de formulação de acordos governamentais e de destinação de recursos por fundações internacionais para o oceano, o Brasil tem diante de si a oportunidade de obter protagonismo político, além de poder também acessar parte desses recursos.
“O documento propõe ações específicas que podem iniciar essa reversão da degradação do mar brasileiro e ativar esse protagonismo no plano internacional, credenciando o Brasil a receber parte desses enormes recursos que hoje estão indo, por exemplo, para implantação de grandes sistemas de áreas marinhas protegidas no Pacífico Tropical Oriental”, diz.
Segundo Kleber Grübel, a iniciativa é uma contribuição da sociedade para a implantação de uma agenda séria e positiva na conservação dos ecossistemas marinhos e no uso sustentável de seus recursos. “É uma síntese sólida de indicações sugeridas por uma série de instituições e profissionais que estão imersos e atuantes neste tema há muitas décadas”, explica o oceanólogo, que é técnico executor de projetos no Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (Nema), no Rio Grande do Sul.
Pesca, exportação de barbatanas e protagonismo do Brasil
O documento assinado pelas organizações já foi entregue ao ministro do MPA, André de Paula, na última semana, quando foi ressaltada a necessidade da atuação colaborativa entre o Ministério e o MMA para que as demandas apresentadas sejam cumpridas.
Na carta, um dos pedidos apresentados foi o reconhecimento formal de que unidades de conservação (UCs) de proteção integral são essenciais à sustentabilidade da pesca no seu entorno e que, por isso, é necessário manter a proibição da pesca nessas áreas. O documento pediu a revisão criteriosa das liberações já concedidas.
Outra demanda foi a retomada da realização da estatística pesqueira nacional e o fomento à pesquisa ecossistêmica sobre os ambientes marinhos e sua capacidade de suporte que, segundo as organizações que assinam a carta, poderia ser usado como base para a gestão sustentável da pesca. “Tanto industrial como artesanal”, diz trecho do documento, ao qual ((o))eco teve acesso.
Para o coordenador de Desenvolvimento Institucional do IBJ, o Brasil ainda carece de uma gestão ambiental esclarecida da pesca. “Sem a qual a conservação da nossa biodiversidade marinha como um todo fica comprometida”, comenta Palazzo. “Também […] pedimos que seja proibida a exportação de barbatanas de tubarão”, acrescenta.
Na carta, a atividade é descrita como sem nenhuma expressão na balança comercial do País, mas que “contribui para a captura direcionada desses animais ameaçados e vulneráveis da fauna marinha nacional e serve de fachada para enorme volume de contrabando”.
O documento ainda cobrou do MMA e MPA a articulação com o Ministério das Relações Exteriores (MRE) para a retomada do protagonismo do Brasil nos tratados internacionais de relevância para a conservação marinha. “Em especial a Convenção de Espécies Migratórias e seus acordos regionais, a Comissão Internacional da Baleia, as Convenções CITES e RAMSAR, e a ratificação e implementação do novo tratado de conservação da biodiversidade em alto-mar”, diz a carta.
Segundo os presentes, a conversa com o ministro foi amistosa e o compromisso geral foi o de considerar as propostas elencadas, no contexto da gestão do MPA. “Nos disseram que já estão em curso ações para a retomada da estatística pesqueira, incorporando esforços regionais que já existem”, conta Palazzo, que no encontro foi acompanhado pelo representante no Brasil da SDI/TDI, certificadora internacional de mergulho, Eduardo Macêdo, e o diretor executivo do Instituto Anjos do Mar, Marcelo Ulysséa.
“Última chance de preservar a toninha”
Proposta pela primeira vez há pelo menos 15 anos, a demanda pela criação do Parque Nacional (Parna) do Albardão, uma UC marinha em Santa Vitória do Palmar (RS), até hoje não saiu do papel. Como mostrou ((o)eco, o processo que deu início aos estudos técnicos que iriam definir a melhor categoria da UC e quais os seus limites foi instaurado pelo ICMBio em 2008.
Entretanto, a definição oficial da proposta aconteceu apenas em outubro do ano passado. Esta é uma das demandas antigas que também estão sendo apresentadas agora ao MMA e ao MPA – juntamente com a criação da APA Foz do Rio Doce, no Espírito Santo, e ampliação do Parna Marinho dos Abrolhos, na Bahia.
Para o técnico executor de projetos no Nema, a criação do Parna do Albardão pode, entre outras coisas, salvaguardar ecossistemas únicos da costa brasileira; garantir a viabilidade da pesca comercial na região; permitir a implantação de políticas públicas indicadas em diversos PANs (Plano de Ação Nacional para Conservação) de espécies ameaçadas; e propor uma cadeia produtiva de turismo ecológico.
“Esta UC elevaria o status do Brasil como protagonista na área de conservação marinha no que se refere a compromissos internacionais”, conta Grübel.
A criação do Parna, diz o oceanólogo, também está ligada à conservação do golfinho mais ameaçado de extinção no Atlântico Sul, e que no Brasil está “Criticamente em Perigo”. “A área proposta talvez seja a última chance de preservar a toninha – o mamífero marinho mais ameaçado de extinção do Brasil”, explica Grübel.
Outros pedidos
Considerando o PAN (Plano de Ação Nacional para a Conservação) Tubarões, a carta assinada pelas organizações também pede a efetivação de medidas de desestímulo à captura de tubarões e raias, sobretudo aquelas espécies constantes na Lista Vermelha brasileira ou em listas de restrição ou proibição de captura dos tratados internacionais relevantes.
O documento também defende a proibição da pesca de arrasto de fundo, realizada sobre e próximos a ambientes coralíneos, bancos oceânicos e montes submarinos; restrição do arrasto de fundo industrial; a implantação dos planos de recuperação de espécies ameaçadas; implementação efetiva de políticas públicas de prevenção, controle e monitoramento de espécies marinhas invasoras; e a incorporação do conceito do Carbono Azul na agenda climática brasileira.
O que dizem os Ministérios
((o))eco entrou em contato com o MPA para questionar o que a pasta pretende fazer a partir do recebimento da carta. A reportagem aguarda manifestação. Ao MMA, o documento ainda não foi oficialmente entregue, mas deve acontecer na próxima semana.
Michael Esquer – Jornalista. Fonte: O Eco. Foto: Athila Bertoncini/Projeto Ilhas do Rio – Vista aérea do Monumento Natural das Ilhas Cagarras, no Rio de Janeiro.
Este artigo não representa a opinião da Revista e é de responsabilidade do autor.