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AMAZÔNIA E CERRADO

AMAZÔNIA E CERRADO

Amazônia e Cerrado

A interpretação de alguns climatologistas de que a Terra terá um aumento significativo na temperatura nos próximos anos traz para a humanidade atual algumas possíveis consequências e indagações. De acordo com os estudos desses climatologistas, isso acontecerá em decorrência do aumento global da temperatura provocado pelo efeito estufa.

Por Altair Sales Barbosa

Além do aumento da temperatura, num primeiro momento, em alguns locais do , várias outras modificações climáticas, caracterizadas por diversos outros fatores, deverão acontecer nos próximos anos. 

Entretanto, torna-se necessário colocar ordem em muitas outras interpretações, principalmente naquelas que se referem à sucessão das paisagens. Isso porque muitas informações são confusas e contraditórias, justamente porque não levam em consideração a história evolutiva das paisagens mencionadas.

Recentemente, têm sido divulgadas informações de que o aumento gradual da temperatura na faixa tropical da Terra provocará secas na região Amazônica, e essa região se transformará em um ambiente de Cerrado.  A informação quanto ao clima pode até vir a ser verdadeira, porém a informação referente à transformação da úmida equatorial amazônica em Cerrado é falsa.

O aumento da temperatura na região Amazônica e a diminuição da umidade provocarão lentamente a morte da floresta úmida e farão com que a volte a ser um grande deserto arenoso, como já aconteceu em sua história evolutiva recente, durante o Pleistoceno até início do Holoceno, ou seja, de 2 milhões de anos até 11 mil anos Antes do Presente.

Na realidade, variados estudos em diversos campos da ciência, desde geologia, geomorfologia, climatologia, paleontologia, palinologia, botânica, zoologia, biogeografia etc. atestam que durante o último período glacial, denominado Wisconsin na América e Wurm no Velho Mundo, notadamente a partir de 20 mil anos Antes do Presente, existia na Amazônia,  principalmente nas chamadas terras baixas, um grande deserto arenoso denominado Deserto de Óbidos, que se unia a outro grande deserto situado mais para oeste e que abrangia todo o vale que hoje corresponde ao rio Orinoco.

Esse fenômeno aconteceu em virtude da diminuição da umidade na Amazônia, provocada pelas modificações das correntes aéreas, que dependiam das movimentações das correntes marinhas, alteradas pela ação do último estágio da glaciação Pleistocênica.

Durante aquela época, em ilhas específicas, situadas nos baixos chapadões da Amazônia, existiam manchas significativas de Cerrado, conforme atestam os estudos de palinologia (ciência que estuda os pólens fósseis). Essas manchas eram prolongamento da grande área de Cerrado que existia no centro da América do Sul e que desapareceram desses baixos chapadões amazônicos, em uma época muito recente, em função do fenômeno da coalescência da floresta equatorial, provocada pela expansão das áreas florestadas, em consequência de mudanças climáticas e de solo decorrentes do final do período glacial.

A , tal qual como a conhecemos atualmente, é um fenômeno recentíssimo dentro da história evolutiva do planeta Terra e só foi viável em função principalmente das condições edáficas.  

Nesse sentido, os pesquisadores da pedologia (ciência que estuda os solos) relatam que a maior parte dos solos hoje existentes na área correspondente à Amazônia é incompatível com uma longa estabilidade da floresta, por serem solos muito jovens, com alta taxa de reposição, dotados de características especiais, indicando de vegetação, ou vegetação muito rala, num passado não tão distante.

Por outro lado, o Cerrado é um tipo de ambiente muito antigo, que já atingiu seu apogeu evolutivo, composto por formas de vegetações associadas a modelos específicos de solo, umidade, , fauna especializada, cuja adaptação exigiu um longo período de tempo, calculado em milhões de anos.

É um ambiente em que qualquer tipo de alteração provocada na sua estrutura poderá promover sua extinção. Por isso é que se diz que o Cerrado, uma vez degradado, jamais voltará a ser Cerrado.

A vegetação do Cerrado não é xerófita, logo estará na dependência de um clima subúmido: a condição climática que determina o Cerrado é a mesma responsável pelo aparecimento de manchas de florestas. 

Uma vez satisfeita a condição climática, o Cerrado aparecerá ou não, na dependência de fatores edáficos, de ordem nutricional; as diferenças de regime hídrico e térmico em certos limites não implicam modificações sensíveis na fisionomia dessa matriz ambiental.

Folhas enormes, que muitas plantas do Cerrado apresentam, ausência de sinais de murchamento, mesmo no auge da , floração e brotação abundantes antes da estação chuvosa contradizem a noção geral de que a existência do Cerrado seja devido à escassez de água. Vários estudos de fisiologia e morfologia botânica sobre plantas do Cerrado atestam esta afirmação.  

Somente a título de ilustração, citamos os autores Rawitscher, Rachid e Ferri. Os estudos deles destacam: grande profundidade dos solos do Cerrado; abundância de água nesses solos; profundidade considerável dos sistemas radiculares das plantas do Cerrado; presença frequente de estruturas xeromorfas na vegetação do Cerrado, como estômatos em depressões, epidermes revestidas por cutículas espessas e camadas cuticulares ou recobertas por numerosos pelos ou escamas, presença de hipoderme e parênquimas incolores, células pétreas e esclerênquimas bem desenvolvidas etc. 

Todos esses elementos são, habitualmente, correlacionados às condições xéricas. E, no entanto, o do comportamento da vegetação do Cerrado não indica uma associação a condições, que na verdade não existem.

A grande maioria das plantas do Cerrado transpiram livremente e com altos valores, mesmo nos períodos de secas mais pronunciadas. As plantas do Cerrado mostram, quase sem exceção, estômatos abertos durante todo o dia, mesmo durante a seca. Também é comum encontrá-los abertos à noite.

Em geral, as reações estomáticas das plantas desse ambiente são lentas. O fechamento total das fendas estomáticas, quando se faz cessar o suprimento hídrico arrancando a folha da planta, pode se consumar em uma hora ou mais e, às vezes, nunca se completa inteiramente. 

A transpiração cuticular é frequentemente muito elevada, embora as cutículas e as camadas cuticulares sejam espessas. Os déficits de satisfação das folhas são geralmente baixos, mesmo em época seca. O valor mais alto encontrado é da ordem de 5% do conteúdo máximo de água. 

Há evidente contraste por exemplo com as plantas da Caatinga, do trópico semiárido, em cujo ambiente tanto árvores como arbustos têm reações estomáticas muito rápidas, reduzindo em mais de 50% o valor inicial de sua transpiração em apenas dois minutos após cessar o suprimento de água e completando o fechamento estomático em cinco minutos.

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Foto: Divulgação/FernandoPodolski

Esses poucos dados apresentados demonstram a complexidade dos processos adaptativos pelos quais passou o Cerrado. Processos estes que exigiriam longos períodos de tempo geológico calculados em milhões de anos.

Portanto, para que uma floresta equatorial semelhante à Amazônica, com a história evolutiva que tem, possa se transformar em Cerrado, seriam necessários alguns milhões de anos para que se criassem algumas condições vitais adaptativas, tais como: clima subúmido de temperatura amena e com significativa amplitude térmica entre o dia e a noite; tipos específicos de solo.

 Se fossem originadas estas condições, que não são fáceis de serem concretizadas, porque nem sempre existe a rocha matriz e suas interações milenares para a formação dos solos (somente para citar um exemplo), possivelmente poderia ocorrer a migração de algumas espécies de plantas de Cerrado para a nova área que seria formada.

Uma área de Cerrado degradada jamais voltará a ser Cerrado com toda a sua . Alterando-se as condições de solo para melhor, através de correções, até uma floresta pode ser criada no local, mas Cerrado nunca mais. 

À primeira vista, este novo ambiente portentoso parece ser até mais encantador, mas se penetrarmos além das aparências, perceberemos que ecologicamente o prejuízo seria enorme e irreversível, a começar pela recarga dos aquíferos que não seria mais a mesma, em função do complexo sistema radicular que caracteriza as plantas do Cerrado e que retém cerca de 70% das águas das chuvas. O sequestro de carbono da atmosfera também seria afetado.

Portanto, se os efeitos globais de mudança ambiental caminharem no sentido que apontam os estudos climatológicos, é bem provável que as antigas dunas de areias depositadas na Amazônia durante o Pleistoceno voltem a ficar expostas sem a vegetação, que morreu pelo aumento da temperatura e pela falta de umidade. Mas não devemos cultivar a ilusão de vermos novamente o Cerrado na Amazônia.

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Foto: Divulgação/ Michael Dantas/ AFP

Altair Sales Barbosa – Arqueólogo. Antropólogo. Sócio Titular do Instituto Histórico e Geográfico de GoiásInstituto Histórico e Geográfico de Goiás. Pesquisador do CNPq. Pesquisador Convidado da Universidade Evangélica de Goiás. Conselheiro da Revista Xapuri desde dezembro de 2014, ano de sua fundação. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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