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A língua portuguesa e os conteúdos digitais

A língua portuguesa e os conteúdos digitais

Quantidade de conteúdos em língua portuguesa na internet pode ser reveladora do potencial, inclusive econômico, de nosso idioma

Por Carlos Seabra/Portal Vermelho

A quantidade de conteúdos em língua portuguesa na internet pode ser reveladora do potencial, inclusive econômico, de nosso idioma – o nono mais falado no planeta (e quarto em termos de falantes nativos), sendo a língua mais falada no hemisfério sul. Estima-se que algo entre 3% e 4% dos conteúdos na internet estão em português. Já em termos da quantidade de livros, os publicados em nosso idioma representam cerca de 2% dos editados em inglês, diferença essa multiplicada em função das tiragens muito baixas do nosso mercado editorial.

Para aumentarmos a quantidade de nossos conteúdos na web, é fundamental digitalizar acervos já existentes e estimular a produção e disponibilização de novos conteúdos – tanto de literatura e outros textos, como também áudios e vídeos, todos devidamente classificados e com metadados.

É importante destacar outros aspectos, como o surgimento de novas formas de expressão, inclusive regionais, facultadas pelas mídias digitais e a produção de conteúdos não somente da cultura clássica mas incluindo a expressão e registro de culturas locais, em áudio, imagem e vídeo, além da escrita – tanto dos países de fala lusófona quanto das diásporas em outros cantos do planeta, inclusive os diversos idiomas crioulos africanos, americanos e asiáticos.

A produção cultural acessível de forma ampla à sociedade é fator fundamental para o desenvolvimento, educação e qualidade de vida das populações. A produção e uso de conteúdos culturais são tarefas da sociedade. Mas cabe ao Estado, além de assegurar a liberdade de expressão e produção de cultura, exercer o papel insubstituível de garantir à sociedade os meios de acesso a sua própria produção cultural.

“A cultura é uma alavanca para o desenvolvimento econômico”, afirmou Jack Lang, que durante dez anos foi ministro da Cultura da França, promovendo o desenvolvimento das indústrias culturais francesas, incluindo cinema, música, teatro e artes visuais, apoiando financeiramente a produção e incentivando a exportação de produtos culturais franceses.

Frente ao desenvolvimento de novas mídias, com sua convergência e a ampla difusão de acesso, especialmente com dispositivos móveis, observa-se uma grande valorização dos acervos digitais existentes, e o enorme desafio de superar os gargalos de infraestrutura, gestão da informação, marco regulatório e capacitação, para dar conta da demanda dessas mídias e para que esses conteúdos contribuam para a formação das novas gerações.

Ações possíveis podem incluir, dentre outras, a identificação e mapeamento de acervos e coleções, existentes tanto em instituições culturais quanto através de processos colaborativos no âmbito da sociedade – e que envolvam as diversas entidades produtoras e usuárias de cultura no sentido tradicional e também as comunidades que produzem cultura em novas formas de expressão.

Para uma maior universalidade, poder-se-ia promover o princípio de que os conteúdos produzidos ou financiados pelo governo e pelo setor público sejam – ressalvadas restrições legais – livres, públicos e de acesso de toda a população, com a disseminação da informação sendo considerada uma prioridade de governo.

Um exemplo de ação que poderia engajar nossos intelectuais, pesquisadores, acadêmicos, alunos e professores, militantes culturais, artistas e mobilizar políticas governamentais e empresariais seria, por exemplo, alimentar a Wikipédia (enciclopédia online, gratuita e colaborativa, que reúne informações sobre diversos assuntos, em vários idiomas, escritas por voluntários de todo o mundo) com mais conteúdos em nosso idioma. Este é hoje o maior acervo mundial de conteúdos abertos de referência, na forma de enciclopédia aberta, possuindo um milhão e cento e vinte mil artigos em português (com mais de oito mil editores ativos). Com mais artigos na Wikipédia temos diversos outros idiomas: inglês, alemão, espanhol, francês, italiano, holandês, japonês, polonês, russo, sueco e vietnamita. Ou seja, ocupamos a 17ª posição nesse ranking.

Exemplo do potencial econômico e cultural de nosso idioma, o ensino da língua portuguesa encontra-se em vertiginosa expansão em universidades chinesas e o governo de Pequim não tem medido esforços nem investimentos para liderar os estudos sobre o português. O vetor dessa expansão está em Macau, território chinês que foi domínio português entre 1557 e 1999. Nas últimas duas décadas, o número de universidades chinesas que ensinam português praticamente decuplicou, somando hoje 56 instituições.

Produtos e serviços em nosso idioma constituem-se, cada vez mais, em importantes fatores econômicos. Estima-se que em 2100 a maioria dos falantes de português será africana, com o brutal crescimento demográfico previsto para Angola e Moçambique, que no seu conjunto somarão 266 milhões de falantes. Um número muito acima dos 200 milhões estimados para o Brasil – estes dados são do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE).

Portanto, com a estimativa de que a maioria dos falantes de língua portuguesa no mundo estará na África até o final do século, é imperativo estabelecer um triângulo virtuoso entre Portugal, Brasil e os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), especialmente num momento de grandes mudanças geopolíticas de um novo mundo multipolar. Esta é uma oportunidade crucial para fortalecer os laços entre os países lusófonos e revitalizar suas trocas econômicas, especialmente de produtos culturais e científicos.

Os movimentos de libertação nacional das ex-colônias africanas despertaram em Portugal a consciência dos militares do Movimento das Forças Armadas à frente da Revolução dos Cravos (25 de abril de 1974), é necessário reconhecer o protagonismo dos PALOP para impulsionar a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Isso requer uma revisão da relação entre Portugal e Brasil, há bastante tempo marcada pela estagnação devido à visão ensimesmada do Brasil e a uma certa arrogância lusitana.

Enquanto Fernando Pessoa disse que “minha pátria é a língua portuguesa” e a antropóloga Lélia Gonzalez cunhou o termo “pretuguês” para se referir à enorme influência das línguas africanas no português falado no Brasil, compete-nos agora agregar valor e gerar riquezas com uma economia criativa sem similar concorrencial: nosso idioma.

O ciberespaço, as tecnologias da comunicação e informação, as alianças com espaços linguísticos afins – além das sinergias e as mestiçagens existentes no mundo lusófono e nas suas diásporas – são meios partilhados que os países lusófonos podem colocar a serviço da língua portuguesa e das suas culturas, mapeando os dados econômicos e gerando indicadores que subsidiem as políticas dos países envolvidos.

Fonte: Portal Vermelho Capa: Cseabra/Midjourney


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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