UNIVERSIDADE, CULTURA E SOCIEDADE
A Universidade precisa entender os caminhos da “guerra cultural” e, portanto, o campo político da construção democrática.
Por Adair Rocha
Assim, territorialidade, transversalidade, pluralidade e pensamento, em suas diversas correntes, desafiam o papel e o significado de Universidade, par e passo, com a multicentralidade da sociedade.
Cultura é, portanto, antes de tudo, significação. Cada vez que uma pergunta possibilita a aproximação de saberes, a cultura está aí implicada. Nesse sentido, Extensão, Graduação e Pós, com suas implicações (Cotas e Saúde), são expressões culturais das trocas das pesquisas e dos estudos, na sua relação com a sociedade.
Cabe aqui, então, o exemplo gritante e contundente da existência da política de Cotas raciais e sociais, da qual a UERJ é vanguarda no Brasil. Essa é uma atitude cultural corajosa, ousada e necessária. Algo obviamente “esquecido” na universalização e na representação da sociedade. Só assim, pode ser chamada de Universidade, do ponto de vista territorial do pensamento e da pluralidade étnica e originária.
Naturalmente, se coincidência existisse, estaríamos, evidentemente, pautadas/os: essa Universidade, do alto de seus setenta e três anos, e vinte e dois de cotas, tem em sua origem o pecado original da “re-moção”, na medida em que foi construída no lugar, ou em cima do “Esqueleto”, a favela aqui localizada. Essa simbologia real e a força da desigualdade estampada em nossa origem.
Alguém pode pensar as Cotas como esse fenômeno transitório de “reparação”. No entanto, essa possibilidade de acesso é muito importante, na medida em que aponte para a relação sistêmica e estruturante, que aparta a sociedade empobrecida, negra e originária da Universidade, tal qual a favela na estrutura do projeto urbano.
Sem dúvida que nesse texto e contexto está o desafio de um departamento cultural numa Universidade, especialmente a UERJ, que supera a administração ou produção da relação equipamentos e entretenimento. Potencializar sua transversalidade de campus e campi, tornando sujeito crítico e autônomo, no pensamento individual e coletivo, torna-se o desafio estruturante.
As três “entidades”, aqui radiografadas, guardam a demanda central da vida cultural hoje, na medida em que nos permite falar da geração que se sustenta na afirmação do individualismo e na negação do coletivo, não por acaso sustentada na cultura algorítmica, que dá a impressão de tudo estar solucionado, no acesso que as redes individuais garantem, como se tudo, aqui e agora, estivesse acessível, independentemente das contradições reais.
O sintoma deletério é a completa ausência de reflexão e do pensamento, que possibilitem a leitura crítica do que está em curso e do papel individual e coletivo na manutenção ou na mudança da sociedade.
De outro lado, o acesso das Favelas e Periferias cada vez maior ao sistema acadêmico, em geral, está produzindo o que se pode chamar, com Gramsci, os novos intelectuais orgânicos, que ampliam a perspectiva da multicentralidade, na passagem de simples objetos para sujeitos, na produção da prioridade da pesquisa e do pensamento.
Adair Rocha – Professor titular da FCS/UERJ. Conselheiro da Revista Xapuri. Foto: UERJ