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Uma didática da invenção: Maior que o infinito é a encomenda

Uma didática da invenção: Maior que o infinito é a encomenda

O poema “Uma didática da invenção”, do grande escritor pantaneiro , publicado em “O livro das invencionices”, Editora Civilização Brasileira, 1993 é uma dessas incríveis linduras da . Vejam!

UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO

I

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca

b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer

c)Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos

d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação

e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos

f) Como pegar na voz de um peixe

g) Qual o lado da noite que umedece primeiro

etc

etc

etc

Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

II

Desinventar objetos. O pente, por exemplo

Dar ao pente funções de não pentear

Até que ele fique à disposição de ser uma begônia

Ou uma gravanha.

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

III

Respeitar repetir – até ficar diferente.

Repetir é um dom de estilo.

IV

No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:

Poesia é quando a tarde está competente para dálias.

E quando

Ao lado de um pardal o dia dorme antes.

Quando o homem faz sua primeira lagartixa.

E quando um trevo assume a noite

E um sapo engole as auroras.

V

Formigas carregadeiras entram em casa de bunda.

Pantanal renatogrimm.comFoto: renatogrimm.com

VI

No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá

onde a criança diz: Eu escuto a voz

dos passarinhos.

A criança não sabe que o verbo escutar não

funciona para cor, mas para som.

Então se a criança muda a função de um

verbo, ele delira.

Em poesia que é voz de poeta, que é a voz

de fazer nascimentos –

O verbo tem que pegar delírios.

VIII

Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh.

IX

Para entrar em estado de árvore é preciso

partir de um torpor animal de lagarto às

3 horas da tarde, no mês de agosto.

Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer

em nossa boca.

Sofreremos alguma decomposição lírica até

o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

X

Não tem altura o silêncio das pedras.

Pantal jornalggn.comFoto: jornalggn.com.br

XI

Adoecer de nós a Natureza:

– Botar aflição nas pedras

(Como fez Rodin).

XII

Pegar no espaço contiguidades verbais é o

mesmo que pegar mosca no ofício para dar

banho nelas.

Essa é uma prática sem dor.

É como estar amanhecido a pássaros.

Qualquer defeito vegetal de um pássaro pode

modificar os seus gorjeios.

XVIII

As coisas não querem ser vistas por

pessoas razoáveis:

Elas desejam ser olhadas de azul-

Que nem uma criança que você olha de ave.

XIV

Poesia é voar fora da asa.

XV

Aos blocos semânticos dar equilíbrio. Onde o

abstrato entre, amarre com arame. Ao lado de

um primal deixe um termo erudito. Aplique na

aridez intumescências. Encoste um cago ao

sublime. E no solene um pênis sujo.

Pantanal t jornalggn.com .brjornalggn.com.br

XVI

Entra um chamejamento de luxúria em mim:

Ela há de se deitar sobre meu corpo em toda

a espessura de sua boca!

Agora estou varado de entremências.

(Sou pervertido pelas castidades? Santificado

pelas imundícias?)

Há certas frases que se iluminam pelo opaco.

XVII

Em casa de caramujo até o sol encarde.

XVIII

As coisas da terra lhe davam gala.

Se batesse um azul no horizonte seu olho

entoasse.

Todos lhe ensinavam para inútil

Aves faziam bosta nos seus cabelos.

XIX

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa

era a imagem de um vidro mole que fazia uma

volta atrás de casa.

Passou um homem depois e disse: Essa volta

enseada.

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás de casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem.

XX

Lembro um menino repetindo as tardes naquele

quintal.

XXI

Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.

Sou um sujeito letrado em dicionários.

Não tenho que 100 palavras.

Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais

ou no Viterbo.

A fim de consertar a minha ignorãça,

mas só acrescenta.

Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:

– Ser ou não ser, eis a questão.

Ou na porta dos cemitérios:

-Lembras que és pó e que ao pó tu voltarás.

Ou no verbo das folhinhas:

-Conhece-te a ti mesmo.

Ou na boca do povinho:

-Coisa que não acaba no mundo é gente besta

e pau seco.

etc

etc

etc

Maior que o infinito é a encomenda.

MANOEL DE BARROS 

Poeta pantaneiro nascido em 1916. Teve o bioma por grande tema. Definiu sua arte como vanguarda primitiva. Encantou-se em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 13 de novembro de 2014, aos 97 anos de idade.

barros-elfikurten-com-brfoto: elfikurten.com.br

SOBRE A TERRA PANTANEIRA DE MANOEL DE BARROS

O Pantanal é a maior área alagadiça de água doce do mundo.

Seus  176,2 km2 da planície pantaneira são inundados pelos afluentes do Rio Paraguai e servem de habitat para 650 espécies de aves (colhereiros, garças, tuiuiús).

No Pantanal vivem 80 espécies de mamíferos (ariranhas, macacos, onças, etc.), 260 tipos de peixes (dourado, piauçu, piraputanga) e 50 espécies de répteis (jacaré, tartaruga, sucuri).

As terras pantaneiras fazem parte do Pantanal, bioma com 250 km2, situado no sul de Mato Grosso, nordeste do Mato Groso do Sul, norte do Paraguai e leste da Bolívia.

Pantanal pantanalecoturismo.tur .brFoto: pantanalecoturismo.tur.br


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Réquiem para o Cerrado – O Simbólico e o Real na Terra das Plantas Tortas

Uma linda e singela história do . Em comovente narrativa, o professor Altair Sales nos leva à vida simples e feliz  no “jardim das plantas tortas” de um pacato  povoado  cerratense, interrompida pela devastação do Cerrado nesses tempos cruéis que nos toca viver nos dias de hoje. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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