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Sobre “desonestidade intelectual”, aposentadoria e expectativa de vida

Na Folha de 22 de março de 2017, Alexandre Schwartsmann ataca a “desonestidade intelectual de quem trata os dados de maneira desrespeitosa”, visando em particular Wagner Moura, e também a economista Laura Carvalho, quando afirmam que a expectativa de vida no Brasil é de 75 anos.

Alexandre diz que a “qualquer economista” sabe que “a expectativa de vida ao nascer é irrelevante para o tema”, continuando: “O que interessa é a expectativa de vida quando se chega à idade de aposentadoria”.

Mas há outra maneira de ler o gráfico anexado ao artigo. Pois notamos que a expectativa de vida que é de 75 anos ao nascer sobe apenas para 76 anos até a idade de 16 anos, subindo aos 20 anos de idade para 77. Mas certamente é essa a faixa de idade na qual a maior parte da população brasileira, e particularmente aquela das regiões mais pobres, começa a trabalhar.

Em outras palavras, a expectativa do indivíduo médio desde o nascimento até o início da vida profissional varia de 75 a 77 anos – não há nada de “mentiroso” no uso de 75 anos em vez de 76 anos para a expectativa de vida aos 15 anos. E na ausência dos dados completos, a expectativa de vida ao nascer é um bom “preditor” para a longevidade da população.

Suponhamos que um indivíduo “médio” aos 20 anos precise escolher um plano previdenciário. Suponhamos que a expectativa de sobrevida seja de 76 anos a essa altura (o que lemos do gráfico, embora o número não seja exibido). Se o tempo de contribuição for de 49 anos para aposentadoria integral com idade mínima de 65 anos, esse indivíduo hipotético poderia se aposentar aos 70 anos (se permanecer empregado continuamente dos 20 aos 70) com uma sobrevida de 6 anos.

Mas para Schwartsman, o único dado que interessa é que, se o cidadão em questão sobreviver até os 70 anos, ele  viverá em média até os 86 anos – com uma sobrevida de 16 anos como aposentado. De que maneira isso consola aqueles que morrerão antes dos 70 anos?

Imagine o seguinte cenário em uma região particularmente pobre e entre a faixa da população vivendo em piores condições sanitárias. Jovens de 15 anos de idade têm uma esperança de vida de 50 anos (mas se começarem a contribuir nessa idade só teriam aposentadoria integral aos 64 anos).

Mas o dado que Schwartsman diz é o único relevante é que, se jovem em questão sobreviver até os 70 anos, ele terá esperança de sobreviver até os 86 anos. Com o mesmo raciocínio, um sistema de consórcio que sorteia 10 jovens em 100 para gozar de aposentadoria integral, deixando o resto a descoberto, seria considerado “justo” pois garante aposentadoria para quem ganhou a corrida de obstáculos contra doença, desemprego, baixa instrução.

Nunca é demais lembrar o princípio de Churchill: “Há mentira, há mentira deslavada, e há estatística” (referência útil: “How to Lie with Statistics”, de Darrel Huff).

ANOTE AÍ:

Mauro Almeida, aqui em desenho de Carlos Bravo-Villalba, é acreano,  residente em São Paulo,  Ph.D. em Antropologia Social (Cambridge University, 1993) e Mestre em Ciência Política (Universidade de São Paulo, 1979).

Foi Tinker Professor na Universidade de Chicago em 2006, e fez pós-doutorado na Universidade de Stanford. É Professor no Departamento de Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Áreas de pesquisa: Amazônia, reservas extrativistas, diversidade social, teoria antropológica.

Participou da criação da reserva extrativista do Alto Juruá, e do planejamento da Universidade da Floresta (Universidade Federal do Acre – Campus Floresta). Entre suas publicações está o livro “A Enciclopédia da Floresta. O Alto Juruá: prática e conhecimentos das populações, em coautoria com Manuela Carneiro da Cunha”.

Mauro Almeira desenho de Carlos Bravo Villalba

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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