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VÔ MADEIRA

VÔ MADEIRA

Vô Madeira
 
O vô correu correu
Com as piranhas e os botos,
Com as jatuaranas e os tambaquis,
Com as cobras e os jacarés,
Com todas as gentes não-humanas do rio;
O vô era um encantado
E por vezes trocava de pele
pra ver como andava o mundo
Às vezes vinha de gente, outras de mangueira, algumas vezes perdida,
de jaguatirica;
Um dia, num de seus passeios, o vô
viu alguns de seus netos em cima de
dragas no meio do rio:
Bêbados!
Jogando prato, prata, pano, plástico
O vô chorou.
O dinheiro é o veneno da .
O vô achou que ia parar
Ouro, correntes, pulseirinhas, anéis, casamentos, filhos, netos, bisnetos, tataranetos…
Sem água.
O vô podia ser eterno
Mas fez a travessia jovem.
Só que ninguém sabia que quando
ele se fosse
Todas as gentes iam também.
E foi assim que nós desaparecemos.
Feito
Feito sede
Feito noite
Feito morte.
 
Vô Madeira – de Julie Dorrico –  (Guajará-Mirim, Rondônia, 1990). Pesquisadora , escritora, curadora de literatura indígena. Pertence à geração de pensadores indígenas que se dedicam ao reconhecimento e à valorização do protagonismo insurgente da literatura indígena contemporânea brasileira. Via Romulo Andrade e pintor
 
VÔ MADEIRA
Rio Madeira em Porto Velho – Foto: Wikipedia
 
O Madeira é um dos principais rios do Brasil e o mais longo e importante afluente do rio Amazonas. No mundo, é um dos cinco rios mais caudalosos e o 17º mais extenso (3.240 km). Além disso, é um dos principais da América do Sul: sua bacia hidrográfica possui 125 milhões de hectares.
Com denominações diferentes, o rio Madeira banha três países: Brasil, Bolívia e Peru. Além da importância ambiental, ele é essencial para a economia de muitas regiões, pois tradicionalmente proporciona a pesca, o transporte hidroviário e, em suas margens, o plantio de diversos produtos agrícolas.
Outro uso importante do Madeira é o trecho navegável de, aproximadamente, 1.345 km entre Porto Velho e a foz do rio Amazonas. O Madeira é um importante canal de integração e comércio da região Norte pois permite a movimentação de pessoas e cargas entre Rondônia, Mato Grosso e Amazonas, e, no interior desses Estados, entre localidades ainda não atendidas por rodovias.
Além disso Porto Velho funciona como uma espécie de centro de distribuição: recebe as mercadorias que chegam por barcaças e as envia para os destinos finais em caminhões.
O rio Madeira recebe este nome, pois no período de chuvas seu nível sobe e inunda grandes porções da planície florestal, trazendo troncos e restos de madeira da floresta. O período chuvoso da região vai de dezembro a maio.
Como o Madeira é um rio andino, suas águas sobem muito em períodos de degelo nos Andes ou de chuvas intensas. A largura da calha chega a aumentar mais de dez vezes e ao mesmo sua vazão aumenta significativamente.
O aumento do volume faz com que as águas inundem campos e florestas. A força da vazão arranca as árvores do solo e as transporta ao longo do curso do rio. Essa característica requer especial atenção da ANA para que os impactos das cheias sejam evitados ou minimizados.
Uma das formas de gestão das cheias é o acompanhamento e a definição de regras operativas para as usinas hidrelétricas da região. O Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira é composto por duas usinas de grande porte: Usina Hidrelétrica de Jirau e UHE Santo Antônio.

VÔ MADEIRA
O rio Madeira – Mapa Wikipedia

As outorgas dos referidos empreendimentos foram dadas pelas Resoluções ANA 465/2008 (Santo Antônio) e 269/2009 (Jirau), sendo que de acordo com as condições estabelecidas nessas resoluções as usinas não devem influenciar os níveis e vazões em Porto Velho e no território boliviano, pois os níveis de água dos reservatórios devem variar acompanhando as condições do rio Madeira.
Em 2014 ocorreu a maior cheia no rio Madeira, com tempo de recorrência de, aproximadamente, 300 anos. O rio Madeira em Porto Velho atingiu a marca recorde de 19,74 metros em 30 de março de 2014, mais de 3 metros acima da cota de emergência estabelecida por órgãos públicos nesse local – 16,68 metros.
Até então, a maior marca já registrada era 17,51 metros em abril de 1997. Comportamento semelhante foi observado nos rios Mamoré, Guaporé e Abunã, que também atingiram níveis excepcionais nesse ano.
A elevação gradual do nível dos rios produziu consequências importantes na dinâmica da região, seja no meio urbano ou rural. Trechos da BR-364, principal ligação do extremo oeste brasileiro com o país e única estrada que leva ao Acre, ficaram inundados por cerca de 3 meses, isolando o Acre do resto do país (em termos rodoviários).

VÔ MADEIRA
: Romulo Andrade

A SECA PREVISTA PARA 2024

Em 2024, em vez de enchentes, há previsão de uma seca severa. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) declarou situação de Escassez Quantitativa de Recursos Hídricos nos rios Madeira e Purus e seus afluentes que correm no sudoeste do Amazonas.
A medida visa a intensificar os processos de monitoramento hidrológico dessas bacias, dos impactos sobre usos da água e propor ações preventivas desses impactos em articulação com diversos setores usuários de água. A situação de escassez vai valer até o dia 30 de novembro.ebcebc
A Região Norte passa por uma seca que já afeta o abastecimento de água e o transporte aquaviário em diferentes partes da . As chuvas acumuladas nas bacias dos rios Madeira e Purus ao longo do período chuvoso, de novembro a abril, foi abaixo da média, tendência que continua no atual período seco.
A agência aponta que os cenários hidrometeorológicos para este ano indicam a possibilidade de serem atingidos níveis de criticidade semelhantes ou piores aos enfrentados no ano passado.
“As anomalias negativas de chuva afetaram os níveis dos rios da região, que se mantêm próximos aos valores mínimos históricos. Como resultado, os usos da água estão sendo impactados, especialmente aqueles que dependem de níveis adequados nos corpos hídricos, como a navegação e a geração hidrelétrica”, alerta a agência reguladora.
A ANA destacou ainda que o transporte aquaviário desempenha um papel crucial no desenvolvimento econômico e social da região amazônica, em especial na Hidrovia do Rio Madeira, no escoamento de cargas da produção agrícola, de alimentos, medicamentos e combustíveis. Os rios também são as principais vias de acesso para muitas comunidades amazônicas, permitindo o deslocamento para serviços essenciais como e educação.
“As declarações [Escassez Quantitativa de Recursos Hídricos] buscam comunicar aos governantes e à população a gravidade da situação de seca na região, permitindo que instituições gestoras e diferentes usuários de recursos hídricos no Rio Madeira e na Bacia do Rio Purus adotem medidas preventivas para mitigar os impactos nos diversos usos da água. Além disso, elas buscam sinalizar aos usuários que a ANA, se necessário, poderá alterar regras de uso da água e condições de operação de reservatórios estabelecidas em outorgas emitidas pela agência, entre outras medidas”, adverte a agência.
Fonte: Agência Brasil

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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