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“RACISMO VELADO É CONVERSA PRA BOI DORMIR”

“RACISMO VELADO É CONVERSA PRA BOI DORMIR”

“Racismo velado é conversa pra boi dormir”

Nasci, cresci, e vivo, ainda nos dias de hoje, escutando aqui e acolá, que o Brasil é um país de racismo velado.

Por Iêda Leal 

Pra não soltar um palavrão a cada vez que ouço esse argumento, resolvi pesquisar um pouco. Encontrei, em uma coleção antológica da Revista Caros Amigos sobre o povo negro no Brasil, publicada nos anos 1970, mais precisamente no fascículo 15 (dos 16 que compõem a coletânea), uma entrevista esclarecedora de Carolina Rosseti com o historiador Joel Rufino dos Santos (1941-2015), onde ele diz, sem meias palavras, que “racismo velado é conversa pra boi dormir”.

Compartilho com vocês excertos dessa entrevista, com a terminologia da época (por exemplo, Rufino usa índios e não indígenas, porque era assim que se dizia no século passado), porque essa entrevista me ajudou a ter uma compreensão melhor da minha ancestralidade e do nosso papel, como povo negro, na história das Américas. Espero que gostem. E que lhes seja útil. Boa Leitura!

Qual foi o papel dos negros e das negras na construção das Américas? 

Joel Rufino dos Santos – As “Américas Negras” é título de um livro de Roger Bastide, sociólogo francês, que ensinou alguns anos na Universidade de São Paulo. Bastide nos fez ver coisas e aspectos que não víamos, ou não queríamos ver. Um exemplo marcante é a negritude de Cruz e Souza, o poeta negro “mais branco do Brasil”, segundo a visão didática. A América toda é negra (variando, naturalmente, de país para país) não apenas pela marca negra nas suas culturas. A colonização da América, como um todo, só foi possível pela exploração da África. Dos Estados Unidos, em larga escala, ao Uruguai, em pequena escala, a mão e alma do [povo] negro fundaram a América. 

De que forma os efeitos da Diáspora Negra na América se fazem evidentes na atual situação [anos 1970] econômica, social e política dos países americanos? 

Joel Rufino dos Santos – Em boa parte da América o proletariado (classe que vende trabalho) é negro: o negro confere, portanto, a esses países a sua cara. Um exemplo é o Brasil que, para o mundo, ainda tem a cara de Pelé; ou a Colômbia, que tem a cara de García Márquez, um mulato inconfundível. Nos países com população negra minoritária, como Peru, Venezuela, México, a população branca também é minoritária. A população não branca, em geral índia e mestiça, é que dá a cara desses países. Os índios eram chamados “etíopes das Américas” no período colonial, demonstrando a estrutura básica desses países: negros e índios tinham, para os colonizadores, a mesma identidade. Com poucas variações, ainda é assim nos dias de hoje. 

O racismo nos EUA foi mais visível do que aquele praticado no Brasil, o racismo velado. De que forma a questão da raça é vista nessas duas sociedades? 

Joel Rufino dos Santos – A diferença principal entre o racismo norte-americano e o brasileiro é que o primeiro evoluiu pela segregação e o segundo pela coabitação. Gostamos de acreditar na pouca veemência do racismo brasileiro, mas a longa duração do movimento negro – quase cem anos [em 1970] demonstra a sua veemência. Difícil dizer qual dos dois racismos é mais eficaz. O racismo é uma forma de dominação dos tempos modernos, inaugurada com o tráfico negreiro, e funcionou tanto lá como aqui. O racismo velado brasileiro é, como se dizia antigamente, conversa pra boi dormir. 

ieda lealIêda Leal Militante orgânica do Movimento Negro e das lutas do movimento social.  Dirigente do MNU, da CNTE, da CUT, do Sintego. Conselheira da Revista Xapuri. Defensora das grandes causas: negra, juventude, mulheres, quilombolas, indígenas, LGBT, religiões de matrizes africanas e de todos os oprimidos, Iêda mescla os saberes captados da militante Angela Davis, de Mãe Ilda Jitolú, Mãe Beata de Iemanjá, Mãe Stella de Oxóssi, do artista Nelson Inocêncio da Silva – “Consciência Negra em Cartaz”, dos poetas Jônatas Conceição, Lande Onawale e Cidinha da Silva e da jovem cantora de hip hop, MC Sofia, para fortalecer a consciência negra.

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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