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Contra o catastrofismo: Liderança, tenacidade, e ação

Tempos como este se prestam para todo tipo de catastrofismo. O capitalismo, na sua era neoliberal, em que a economia é dominada pelo capital especulativo, só produz recessão e desemprego. No , o acelerado processo de desmonte do Estado, dos direitos dos trabalhadores e dos programas sociais, acompanhado da judicialização da , permite os piores presságios.

O país está sendo destruído, o governo golpista consegue sobreviver, tenta aprovar leis que blindam sua continuidade para além das eleições, o “lawfare” contra o Lula se acelera. Vozes se multiplicam dizendo que não haverá eleições, que não vão permitir que o Lula volte, que tudo vai pro pior dos mundos. “Nada es igual, todo es peor”, como diz o tango Cambalache.

Quase tudo o que se diz é real, embora as tintas às vezes sejam melancólicas e pessimistas demais. Mas o que fazer diante de um quadro tão difícil como esse? Se levarmos em conta essas vozes apocalípticas, não haverá nada a fazer. Resignar-nos a ser oposição impotente por indefinido. Retirar-nos para nossos quartéis de inverno e esperar a tormenta passar – se é que ela vai passar, especialmente com a gente tendo se retirado.

A intelectualidade e setores da classe média são propensos a esse tipo de melancolia, de pessimismo, de desânimo. Oscilam para cima e para baixo, afetados pela situação e pelas vozes de cronistas solitários que pretendem, desde a academia, condenar o processo político a uma derrota prolongada.

Mas a realidade não é feita nem só de presságios pessimistas, nem do otimismo ingênuo. A realidade tem as duas caras. A realidade é contraditória. É aí que entra a política, a intervenção dos indivíduos, a possibilidade de reverter o curso da , mesmo em condições adversas.

Os governos antineoliberais na América Latina atuaram contra a corrente, em nível nacional, latino-americano e internacional. Conseguiram reverter a tendência a maior concentração de , a maior exclusão social, diminuindo as desigualdades no continente mais desigual do mundo. Conseguiram refortalecer o Estado, diante da dinâmica de enfraquecimento do Estado, aprofundar a integração regional e o intercâmbio Sul-Sul, opondo-se à tendência de Tratados de Livre Comercio com os EUA.

Diante da crise recessiva internacional de 2008, o Brasil não se resignou e agiu contra a tempestade, com políticas de fortalecimento dos bancos públicos, de intensificação do mercado interno de consumo de massas. Se tivesse ficado se lamentando e só denunciando, o Brasil teria sido arrasado.

Por isso a análise política da realidade tem que levar em conta os fatores positivos e negativos, os nossos pontos fortes e os fracos, assim como os do adversário. O governo do Lula avançou, desde 2003, nos pontos frágeis do : privilegiou as políticas sociais, fortaleceu o Estado, intensificou a integração regional e o intercâmbio Sul-Sul. Atacou nos elos mais fracos do neoliberalismo.

Isso faz a política, a intervenção da vontade organizada das forças sociais. Levar em conta as condições objetivas, a correlação de forças, mas não para se resignar a ela e sim para encontrar as formas especificas de intervenção, de concentração das forças na luta pelos nossos objetivos.

Hoje as condições de luta são muito difíceis. Sofremos uma dura derrota, que interrompeu os nossos governos, nos golpearam duramente nos nossos pontos mais fracos, nos reduziram quase à impotência, nos deixaram na defensiva, a direta ganhou a iniciativa e impôs sua agenda. Conseguiu nos isolar de amplos setores da população, criou clichês contra nós que em parte até hoje perduram e dificultam nosso acesso para dialogar com esses setores.

A conta com o monopólio privado da mídia, com o Judiciário e a PF, com uma grande maioria a seu favor no Congresso e com a capacidade de iniciativa que a posse do governo permite. Embora ela tenha hoje divisões, é um bloco que se unifica em torno da política econômica do golpe e do pacote antipopular que o governo mandou para o Congresso.

Mas há os elementos de debilidade do golpismo: seu programa econômico é profundamente recessivo e antipopular. O governo está composto pelo que  de mais corrupto tem a política brasileira. Seu prestigio internacional é zero.

Nós contamos com imensa rejeição popular do pacote do governo, com uma grande liderança popular que unifica grande parte da , o deslocamento do centro das preocupações dos brasileiros do tema da corrupção para os temas sociais – o do emprego em primeiro lugar.

No fundamental, é uma situação em disputa. Nada diz que o governo golpista vá sobreviver, nem que a esquerda retornará ao governo. Tudo depende da disputa neste e no próximo ano.

O catastrofismo é um caminho de derrota, de desânimo, de desmoralização, de renúncia. Temos consciência das difíceis condições em que se dá a disputa atual. Mas não tínhamos condições menos difíceis durante o governo de FHC e fomos capazes de revertê-la e sair para o mais importante governo, até aqui, da história do Brasil. Porque tivemos tenacidade, flexibilidade de ação e capacidade de liderança. Elementos que temos hoje, para de novo revertera situação a favor do povo, da democracia e do Brasil.

lula chapeu e maosFotos Públicas

Emir Sader
Sociólogo
Autor do livro “O Brasil que queremos. ”

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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