Mujica

MUJICA: ATÉ SEMPRE, COMPANHEIRO

Mujica: Até sempre, companheiro

“Há ausências que não se instalam no vazio, mas no coração ardente de quem compreendeu a dimensão do humano em sua forma mais plena. José “Pepe” Mujica não se foi — ele se distribuiu.

Por Paulo Baía

Espalhou-se nas consciências inquietas, nos espíritos indomáveis, nas mãos calejadas de quem insiste em semear justiça mesmo sob tempestades. Sua vida foi mais do que trajetória: foi travessia. E como todo aquele que atravessa a existência de forma sincera, deixa pegadas que o tempo não apaga, porque foram feitas na argila dos sonhos mais profundos da humanidade.

Não era apenas um presidente; era um homem que recusou os privilégios do trono e escolheu o chão. Sua grandeza não se media em títulos ou palácios, mas na coerência entre o que dizia e o que fazia. Mujica era o gesto que abraça antes da palavra que promete. Foi capaz de demonstrar que a verdadeira liberdade está na renúncia ao excesso, na comunhão com o essencial, no desapego das vaidades que arrastam tantos ao abismo da indiferença. Era, antes de tudo, um livre — e por isso nos ensinou o que é, de fato, viver.

Na simplicidade que cultivava como filosofia, encontrava-se a mais refinada sabedoria. Mujica viveu sem ornamentos, mas com dignidade exuberante. Foi militante da esperança, artesão do possível, caminhante do improvável. Sua história não é apenas a de um guerrilheiro que se tornou estadista; é a de um ser humano que compreendeu, talvez melhor que muitos, que a política só faz sentido quando está a serviço da ternura, da justiça e do cuidado com a vida. Ele nos mostrou que a ética não é um conceito abstrato — é um modo de estar no mundo.

Agora, que não mais ouviremos sua voz rouca rompendo as superficialidades do presente com verdades profundas, resta-nos a vibração do que ele semeou. O sentimento que nos atravessa não é apenas saudade — é continuidade. Porque ninguém como Mujica soube nos mostrar que as ideias não morrem, que os valores não adoecem, que o afeto não se enterra. Ele segue conosco, na indignação que não silencia, na solidariedade que insiste, na liberdade que arde no peito dos que não se renderam.

José Mujica foi também um amigo do Brasil — um irmão de lutas, de causas, de utopias. A juventude o amava porque reconhecia nele o raro encontro entre coerência e coragem. O povo o aplaudia porque enxergava em seus olhos um espelho da própria dignidade. Sua presença era a presença da resistência ética diante do cinismo do poder. Sua ausência agora nos envolve como um manto de responsabilidade: manter vivo o fio de esperança que ele nos confiou.

Não se despede de alguém como Pepe com lágrimas apenas — despede-se com promessas. Promessa de seguir inquieto, de não aceitar a injustiça como destino, de não negociar os sonhos por conforto. Que seu exemplo nos carregue adiante, como um vento morno a empurrar as velas de quem ainda crê na travessia. Obrigado, Pepe Mujica, por ter sido farol em tempos de névoa. A humanidade te abraça — não no fim, mas no eterno que carregas contigo.”

13 de maio de 2025 Cabo Frio/RJ

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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