A Damurida dos Macuxi
Conheci a Damurida, quentíssimo ensopado de peixe ou caça moqueada, símbolo da culinária Macuxi, em uma comunidade indígena em Roraima, durante um Festival Wapichana-Macuxi de Damurida, no ano de 2010.
Por Zezé Weiss
Foi lá que uma Damurida de tambaqui me fez suar frio e pedir arrego, já que nem o pirão de tapioca que a acompanhava foi capaz de aliviar a quentura que tomou conta da minha boca, dos meus olhos, do meu rosto inteiro.
Entre um panelão de barro e outro (são enormes e lindos!), a amiga Ivanilde Macuxi me apresentou aquele ensopado de peixe (também pode ser de caça moqueada) pra lá de condimentado.
Foi também a Ivanilde quem me disse que o segredo da Damurida está no molho, um caldo de tucupi que, ao contrário do tucupi normal, geralmente ralo e amarelado, depois de apurado no fogo por horas torna-se escuro e encorpado.
Mas as mulheres indígenas com quem conversei me disseram que só o tucupi não garante uma boa Damurida, que o principal mesmo é temperar o caldo da Damurida com o tucupi engrossado, com o cariru, uma folha amazônica, e com a pimenta, aliás, as muitas pimentas, como a murupi e a olho-de-peixe, todas muito ardidas, porque sem pimentas, pra elas, não é Damurida.
Caminhando pelas barracas, onde mulheres e homens indígenas – e até crianças – degustavam suas damuridas como se fosse água de coco, soube que o prato nasceu por necessidade, que vem do tempo em que os grupos indígenas faziam longas caminhadas.
Naquela época, que já ficou pra trás, as caravanas aprenderam a usar o moquém, que consiste em assar lentamente o peixe ou a caça na fumaça que sobe dos braseiros, pra que pudessem durar por mais tempo.
Juntando a carne moqueada com o caldo apimentado, assim surgiu a Damurida, esse prato pra lá de quente, mas mesmo assim pra lá de delicioso, que deixa saudades pra sempre!
Publicado originalmente em 27 de março de 2021.
Ingredientes
1 quilo de peixe Dourado
1 litro de tucupi
1 ½ litro de água
6 xícaras de chá de chicória cortada em chifonade (tiras bem finas)
1 quilo de tomate cortado em rodelas
400 gramas de cebola cortada em rodelas
2 xícaras de chá de cheiro verde
1 colher de chá de pimenta-de-cheiro picada
1 xícara de chá de suco de limão
2 colheres de sopa de tucupi negro
4 colheres de sopa de azeite
400 gramas de beiju de mandioca
1 colher de café das pimentas murupi, malagueta, olho de peixe, canaimé
Sal a gosto
Modo de preparo
Lave o peixe com 500 mil de água e o suco de limão. Tempere com sal e reserve. Em seguida, coloque em uma panela o tucupi, o restante da água e metade da cebola, do tomate, da pimenta-de-cheire e da chicória.
Ferva essa mistura por 30 minutos e retire a espuma com o auxílio de uma colher. Coloque o peixe e deixe ferver por dez minutos. Por fim, adicione o restante do tomate, da cebola, da pimenta-de-cheiro, do cheiro verde e da chicória. O sal é a gosto.
O prato precisa ser degustado com beiju de mandioca.
DIVERSIDADE CULTURAL
Mesmo com a diversidade cultural que encontramos em Roraima, a capital concentra a maior parte da população. Assim, não é apenas a culinária indígena, mas uma miscigenação de várias culturas e sabores que tornam Boa Vista multicultural.
A agricultora Anete Rodrigues da etnia Wapichana, chegou na região do P.A. Nova Amazônia no ano de 1995. A região era então chamada de “Fazenda Saab”. Por lá, criou os filhos e continuou com a tradição de fazer a Damurida em datas festivas, tornando o sabor ainda mais especial.
Assim, a pimenta que ela utiliza no prato, é cultivada por meio de um projeto da prefeitura da capital, chamado Tay Tay. Ele pertence ao Grupo Aurora do Campo.
“É um prato tradicional para a minha família. Faz parte da minha infância, adolescência e vida adulta. Sempre comi na mesa com os meus pais e aprendi com a minha mãe. Minhas três filhas sabem cozinhar e tenho certeza que vão passar para os filhos delas como uma tradição de família”, conta Anete.
Do mesmo modo quem também prepara o prato é a agricultora Assélia Pio, que faz então a Damurida com o toque especial do Murupi, líquido apurado da mandioca que deixa o sabor mais ácido no peixe.
“Aprendi a fazer a Damurida com a minha vó materna, Francisca, que utilizava o murupi para dar um sabor ácido que lembra o limão e também deixar o caldo mais escuro. Estou com 43 anos e até hoje, um dos pratos que mais lembram a minha cultura indígena dos macuxi, é a Damurida de peixe” disse.