Amazônia: Áreas de Conservação desprotegidas

 

A partir de dados oficiais sobre rebaixamentos, reduções ou extinções de áreas de conservação amazônicas, um grupo de seis pesquisadores de duas universidades americanas e do instituto Conservation International, com sede na Virginia (EUA), concluiu que as regiões desmatadas costumam ser as escolhidas em negociações entre governos estaduais e federais e empresários na região.

Na última década, segundo os autores, a Amazônia enfrenta uma onda de mudanças em regras ambientais.

O levantamento avaliou 62 áreas protegidas (como parques estaduais e nacionais, áreas de e reservas) em Rondônia, um dos três estados com maiores índices históricos de desmatamento na Amazônia.

“Esse estudo foi o primeiro a nos permitir entender por que motivo algumas áreas protegidas estão em risco e outras não”, diz Michael Mascia, diretor de ciências sociais do instituto Conservation International, que nos últimos 30 anos atuou em atividades de conservação ambiental em 77 países.

“A noção de que unidades de conservação que sofrem desmatamento foram mais vulneráveis que as não-desmatadas nos últimos anos é nova, e traz sérias consequências para a sociedade brasileira”, afirma.

Para o cientista, a constatação revela um “ciclo vicioso” na região.

Acontecimento indesejado

O Governo de Rondônia, por meio da assessoria de imprensa, negou que alto índice de desmatamento seja critério para reduzir ou extinguir a proteção de uma área. “O Estado possui unidades de conservação com grau de antropismo elevados, porém não se cogita extinções e sim recuperação”, informou.

Segundo o Ministério de Meio Ambiente, que afirma desconhecer o estudo, a “redução do status de proteção ou a extinção de uma unidade de conservação é um acontecimento pouco usual e indesejado”.

Mas, por meio da assessoria, o MMA admitiu que não há critérios pré-definidos para orientar o procedimento de alteração no grau de proteção de uma unidade federal de conservação, ainda que sejam levados em conta fatores como “a ocupação humana pré-existente à sua criação e incompatível com a categoria da unidade e a proposição de projetos de infraestrutura governamentais”.

“Embora possam haver motivações legítimas apontadas pelos solicitantes, cada caso é estudado tecnicamente em um processo de verificação dos custos e benefícios ambientais e sociais resultantes da decisão”, esclareceu o MMA, emendando que, muitas vezes, há uma tentativa de compensar áreas que perdem o status de proteção com a criação de outra unidade.

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Mas, segundo Michael Mascia, “as áreas protegidas desmatadas acabam perdendo proteções do governo e o que sobra fica ainda mais vulnerável àqueles que desmataram no primeiro momento”.

“Em Rondônia, percebemos que as áreas com proteção ineficiente foram reduzidas ou removidas, enquanto as com proteção bem feita foram mantidas ou até expandidas. Isso mostra que o desmatamento nas reservas está sendo levado em consideração quando os governos optam por retirar proteções ambientais para atender a demandas do mercado”, continua Mascia, ressaltando que o padrão se repete por toda a região amazônica.

‘Barganha’

O artigo apareceu na semana passada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, a publicação oficial da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

As conclusões do levantamento se baseiam em perdas de áreas protegidas durante duas ondas recentes de mudanças em regras ambientais em Rondônia – em 2010 e 2014.

Em 2010, segundo o estudo, 10 unidades de conservação da floresta amazônica no Estado foram extintas, abrindo espaço para a construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. As perdas em áreas até então protegidas chegaram a quase 8 mil quilômetros quadrados, ou cinco vezes a área total da cidade de .

Quatro anos depois, outras 20 áreas de conservação foram reduzidas ou extintas para dar lugar, principalmente, à criação de gado – uma redução de 19 mil quilômetros quadrados, ou mais de 12 vezes a capital paulista.

À BBC Brasil, o governo de Rondônia informou que 9 das decisões de extinção de áreas preservadas avaliadas pelo estudo foram posteriormente revertidas por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin).

Segundo Mascia, as áreas de conservação que foram alvo de rebaixamentos ou extinção tinham em comum uma “gestão ineficaz” de proteção, o que favorece o corte ilegal de madeira. “Todas as áreas rebaixadas ou extintas já haviam sido desmatadas”, diz.

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Para o de ciências ambientais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Rodrigo Medeiros, o estudo revela os impactos de uma lógica perigosa de “barganha” entre políticos e empresários.

“De um lado, há setores interessados em usar áreas protegidas para atividades econômicas. De outro, organizações da sociedade civil tentando mostrar o valor da proteção destas áreas”, avalia. “E o que vemos por todo o Brasil é que vários membros do governo que representam grupos econômicos estão propondo prejuízos em áreas protegidas que não deveriam ser tocadas.”

Segundo Medeiros, mais de 100 projetos do tipo tramitam atualmente no Congresso Nacional

Vice-presidente da Conservation Internacional no Brasil e um dos autores do estudo, o professor prossegue: “Ficou claro que uma governança eficiente da área protegida, garantindo que em primeiro lugar ela não seja desmatada, é fundamental para garantir a proteção e evitar novos rebaixamentos ou extinções de unidades de preservação.”

‘Regra do biscoito’

Só no ano passado, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial), mais de 1.252 quilômetros quadrados de florestas foram desmatados em Rondônia.

De acordo com os pesquisadores, as unidades de conservação que têm perdido proteção do governo brasileiro costumam ser as mais próximas a estradas, vilarejos ou rios.

A localização traz mais valor econômico e potencial para escoamento de produção de gado, energia ou minérios – o que explicaria o desmatamento.

“O desmatamento dentro de unidades de conservação está crescendo. Usar isso como critério para desafetação (alteração ou extinção de áreas protegidas) tem dois efeitos: a perda da oportunidade de restaurar áreas que deveriam estar intactas e um estímulo ao desmatamento ilegal em lugares onde há interesse futuro para novas revogações”, diz Medeiros.

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Questionado, ele diz que o estudo não permite afirmar que o desmatamento esteja ocorrendo deliberadamente com o objetivo de reduzir proteções ambientais.

O pesquisador compara o fenômeno na Amazônia “a comer um biscoito pelas beiradas”.

“O lado de fora do biscoito está sendo destruído, enquanto os esforços de conservação são empurrados mais para dentro, longe das estradas e cidades”, diz. “A gente fica com a falsa impressão de que o balanço é positivo ou neutro. Mas, em um processo de 10, 15 ou 20 anos, a tendência é que as beiradas acabem e continuemos avançando para dentro deste biscoito.”

Os autores do estudo pedem que governos e empresários revejam a impressão de que áreas de conservação são “inúteis”, porque não são tocadas.

“Este é um erro perigoso”, diz. “Se mantivermos este ritmo, vamos negociar a Amazônia inteira, o que seria catastrófico não só para o Brasil, mas para o mundo inteiro”.

Discussão do Legislativo

Ministério de Meio Ambiente, por sua vez, esclareceu que a decisão final pela “extinção ou diminuição do status de proteção de uma unidade de conservação é tomada mediante edição de lei”, que deve ser motivava e justificada. Isso significa que o tanto o Executivo quanto o Legislativo federal, estadual e municipal podem tomar a iniciativa que precisa ser aprovada e sancionada antes de entrar em vigor.

O índice de desmatamento, segundo o MMA, pode ou não ser determinante. “A depender da motivação para a proposição da lei que altera a unidade, a situação de ocupação da área em questão pode ou não ser um fator preponderante. No caso de áreas de ocupação pré-existentes, muitas vezes estas já possuem um certo grau de desmatamento”, salienta.

Questionado sobre por que áreas mais próximas a vilarejos, rios e estradas tendem a perder o status de unidade de conservação, como apontou o levantamento, o MMA afirmou desconhecer o estudo. Mas reiterou que “cada caso é estudado do ponto de vista do impacto social e ambiental causado pela alteração pretendida”.

O Governo de Rondônia, por sua vez, informou que não cogita reclassificar áreas protegidas com elevados índices de desmatamento e que há projetos em curso para recuperar essas reservas, que sofrem pressão pelo avanço desordenado da , pecuária e assentamentos diversos.

Esclareceu ainda que a extinção ou diminuição das áreas de preservação foram todas iniciativas do Legislativo. “Nenhuma dessas extinções de unidades partiu do Executivo estadual”, informou. Disse também que recorreu à Justiça para tentar reverter as mudanças – houve, segundo o governo, reversão em nove unidades, totalizando cerca de 800 mil hectares. “Essas unidades foram extintas pelo Legislativo, porém o ato foi revertido através Adin (ação direta de inconstitucionalidade)”.

“O Estado de Rondônia (Executivo), na contramão nacional, está em processo de criação de 11 unidades de conservação”, completou.

Consulta popular

Apesar de mudanças em área de conservação serem debatidas no Congresso, Assembleias ou Câmara Municipais, a depender do tipo de lei, nem sempre a população ou a sociedade civil organizada é convidada para se manifestar formalmente. “O processo de discussão e consulta (popular) irá depender do procedimento adotado no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas dos Estados proponentes”, explicou o MMA.

Segundo o Ministério, quando o Executivo é o autor da proposta, em geral há consulta pública.

Por iniciativa do Executivo federal, a única proposta que está no Congresso Nacional é a da alteração de limites da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará.

Mas tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que envolvem mudanças nas unidades de conservação federais e foram propostas por congressistas.

“O MMA e ICMBio se manifestam nesses processos e atuam o sentido de garantir a manutenção da integridade das unidades de conservação federais”, informou o MMA.

“De outra parte, estão sendo propostas pelo executivo federal a criação de novas unidades de conservação na Amazônia, como a Reserva Extrativista baixo Jauaperi e a ampliação da Reserva Extrativista Lago do Cuniã, que complementam a recente criação do Parque Nacional dos Campos Ferruginosos. Também são propostos o reconhecimento de novos Sítios Ramsar na Amazônia”, esclareceu.

Matéria publicada inicialmente na 

Fotos internas: Getty Images. Foto de Capa: WWF


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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