Trânsito: Não precisa ser físico para concordar que um corpo móvel que promove colisão produz maior deformação em sua estrutura e no obstáculo atingido quanto maior for a energia que o alimenta. Em simples palavras: quanto maior a velocidade do veículo, ao envolver-se numa colisão, maior a gravidade do resultado.
Logo, mais chances de matar, morrer ou lesionar no trânsito assume o motorista apressado. Ora, se o valor maior que temos é a vida, coerente então que sejamos cautelosos em nossas escolhas quando estamos conduzindo um veículo, afinal, o trânsito brasileiro coleciona 45 mil mortes/ano e leva aos hospitais outros 150 mil/ano com lesões graves e gravíssimas a internações médias de 20 dias.
No mesmo ritmo 50 mil adquirem distintas plegias. Numa conta simples, calcula-se que um milhão de pessoas/ano são diretamente envolvidas em eventos graves de trânsito, sendo que 575 mil/ano destes sofrem processos de mutilação de órgãos, segundo Dirceu Rodrigues Alves Júnior, da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego/Abramet. Carnificina, epidemia, doença, deseconomia, dor, tristeza, angústia… Literalmente!
O que há de comum neste sinistro quadro epidemiológico? São resultados de colisões e atropelamentos violentos, absolutamente previsíveis, envolvendo veículos nos sistemas viários das cidades e rodovias. E o que mata e aleija? A velocidade das máquinas; a quantidade de movimento (massa x velocidade) que elas desenvolvem nos espaços de mobilidade, e com isso o comprometimento do ideal tempo psicotécnico de seus condutores. E como estancar esta sangria desatada? Não inventar a roda, adotar experiências que têm dado resultados satisfatórios, lá fora e aqui mesmo no Brasil. Veja-se São Paulo. Em julho a Prefeitura reduziu a velocidade máxima permitida de 90 km/h para 70 km/h nas pistas expressas da cidade; de 70 km/h para 60 km/h nas centrais; e de 60 km/h para 50 km/h nas pistas locais. No caso de ônibus e caminhões, a velocidade limite nas pistas expressas é de 60 km/h. As mudanças fazem parte do Programa de Proteção à Vida, criado pela Prefeitura. O objetivo é regulamentar em 50 km/h o limite de velocidade em praticamente todas as avenidas importantes da cidade. O resultado aferido? Redução em 36% de acidentes com vítimas.
O que está fazendo São Paulo neste quesito é o que fazem, em distintas proporções, as cidades de Nova Iorque, Amsterdam, Londres, Guadalajara, Mar Del Plata, Portland, Santiago, Seatle, Singapura, Tóquio, Vancouver e muitas, muitas outras cidades mundo afora. A percepção e o enfrentamento do problema desta forma tem origem no conceito “Visão Zero”, a política de segurança viária mais ambiciosa já implantada em todo o mundo.
Criada em 1994 e adotada pelo Parlamento Sueco em 1997, o “Visão Zero” determinou a meta de zerar os acidentes com mortes ou ferimentos graves por toda a Suécia. A abordagem mais ampla de responsabilidade compartilhada resultou em mudanças no design de estradas e vias das cidades. De acordo com a The Economist, a construção de 1,5 mil km de vias “2+1” (um modelo de via onde cada faixa pode retornar utilizando a faixa do meio para passagem) salvou cerca de 145 vidas ao longo da primeira década de Visão Zero.
Além disso, para os 12,6 mil cruzamentos melhorados com sinalização e traffic calming estima-se que as mortes de pedestres caíram pela metade nos últimos cinco anos. A nova medida ajudou a Suécia a aproximar-se da meta, com apenas 3 mortes para cada 100 mil pessoas no trânsito. O dado contrasta com as 5,5 pessoas para cada 100 mil na União Europeia e com as 11,4 pessoas para a mesma parcela nos Estados Unidos (2014, WRI Brasil – Cidades Sustentáveis). No Brasil? Ainda convivemos com 22 mortes/100 mil pessoas, o que nos coloca no quinto lugar entre os países que mais matam no trânsito.
Então o que espera o governo brasileiro, se temos as soluções experimentadas ao alcance? Sistematizar e aplicar políticas de redução de velocidades. Simples assim, para que possamos os brasileiros caminhar com dignidade, devagar e sempre!