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Em defesa da universidade pública e gratuita

Em defesa da universidade pública e gratuita

Me permitam uma digressão pessoal diante desse ataque assustador à que o governo Bolsonaro está fazendo

Por: Rodrigo Alves do Nascimento

Para mim, a universidade pública (e gratuita) foi a forma com a qual pude ter acesso a recursos que ninguém da minha família e do meu grupo de amigos pôde ter. É como se em dez anos eu conseguisse quebrar um ciclo ao qual infelizmente muitos dos que conheci e amo ainda estão atachados.

Conheci vários estados e países, conversei e debati ideias com pessoas que eu nunca imaginei poder conhecer e, de certo modo, tive uma grande melhora financeira na minha vida (que não é nada, é claro, perto de alunos que tive que têm até mordomos em casa, ou que ganham um “carrinho” de presente por passar no vestibular).

Só me toquei do tamanho desse abismo quando, momentos antes de ir para o meu estágio de pesquisas na Inglaterra, percebi que meu pai não entendia muito bem o que eram fusos horários e que isso estava relacionando ao fato da terra ser redonda (!!). Pois é, coisas do nosso . Só não se dá conta do que é esse abismo quem se acostumou a ele.

Estudei em escola pública do interior, trabalhei durante o ensino médio e tive que lidar com a pressão (inclusive familiar) para encaminhar a vida, caso não passasse no vestibular. Amigos e conhecidos sempre insistiram que o fato de eu ter conseguido entrar na universidade pública tinha a ver com uma espécie de bênção, uma genialidade de origens desconhecidas ou com um esforço homérico do qual eles não seriam capazes.

Diante na minha negativa,  me chamavam de humilde. NÃO! Essa é a forma com que, claro, todo um sistema reproduz a lógica da autoexclusão: ao não se considerar capaz, não se tenta, não se luta para que haja mais vagas e todo um sistema restrito a poucos continua restrito e baseado no mérito (“só entram os que merecem”). É de lascar.

E a universidade pública foi fantástica para mim. Moradia estudantil onde conheci pessoas com ideias fantásticas, pessoas que dançavam com a parede, nudistas e tradicionalistas. Para mim, vindo do interior, eram choques constantes. Eu, claro, sempre fascinado. Principalmente pelo fato de que, entre todos ali, havia polêmica, mas muita liberdade e respeito.

Na sala de aula, professores das mais variadas correntes teóricas, de católicos fervorosos a anarquistas ateus. Entre todos: polêmicas (e também picuinhas). Mas o principal: muita liberdade e respeito. Aprendi e aprendo muito com eles. Pelo Campus, sempre houve de tudo: rodas de discussão, grupos de estudo, reuniões de grupos religiosos, reuniões do movimento estudantil, manifestações de e de , saraus, sessões de cinema, festas…

Sempre com muita treta, é claro. Algumas já me custaram até um desmaio e uns dias de cama. Mas não volto atrás um milímetro: tirei de várias dessas discussões um amadurecimento absurdo, uma capacidade de levar em conta o argumento do outro e de algum modo rever meus próprios conceitos. Claro que sempre houve aqueles que se impuseram de modo mais contundente, aqueles que logo de cara não me consideraram um interlocutor etc. Mas mesmo diante desses casos sempre aprendi muito.

Houve uma vez em que, dizem, o Zé Celso – diretor do Teatro Oficina – visitou a universidade para uma palestra e um grupo  de estudantes fez uma mini-passeata nudista. Até hoje não se se foi verdade, pois não vi. Conta-se até com certo desdém e fascínio.  Pois é, não é comum ver peladões assim por essas bandas. Afinal, estudante pode gostar de sexo, cervejinha ou alucinógeno, mas a maior parte do seu tempo é gasta mesmo nas dezenas de créditos a cumprir, nas dezenas de artigos e livros a ler, nas listas de exercícios, trabalhos e provas a fazer.

Não sei se vocês sabem, mas é milhares de vezes mais comum ouvirmos relatos de alunos doentes pela pressão dos estudos e da pesquisa do que por uso de drogas. Muitos trabalham, estão envolvidos em iniciativas juniores, em iniciações científicas, em grupos esportivos, em centros acadêmicos, no movimento estudantil. Só acha que a vida universitária se resume a nudismo e drogas quem absolutamente nunca soube disso, ou quem soube, mas não consegue aceitar que é possível viver de modo intenso com a diferença.

E essa liberdade é a chave da universidade. Mesmo ali dentro há, claro, muito discurso único, muita resistência à mudança. Mas no geral é um dos espaços onde mais se testam limites de fórmulas e conceitos. É onde de algum modo somos desafiados a ir além. E agora, a universidade também passa por um processo de questionamento dos membros que a compõem, do tipo de estudos que faz. Refiro-me à massa de estudantes pobres e negros que passa a integrar o corpo das universidades federais nos últimos anos.

Quando entrei na UNICAMP, contávamos nos dedos os alunos negros (professores negros não dariam uma mesa em um restaurante). E agora é toda uma nova agenda de problemas, de pesquisas e de demandas que se coloca, que expõe como nunca os limites da universidade brasileira e aponta novos caminhos.  Por isso, claro, continuo fascinado.

Toda essa digressão para dizer que, devido a isso, a minha briga com o governo Bolsonaro é política, mas é pessoal. Penso em tudo que me tornei graças à experiência na universidade e penso que um ataque nessas dimensões (com corte de 30% da verba das federais e ataque direto à reputação de quem atua nas escolas e universidades) é uma também uma imposição de uma barreira. Barreira para aquelas pessoas que, como eu, teriam a oportunidade de dar um salto.

Aos meus amigos e parentes que votaram nele com alguma esperança de mudança. Está aí a desgraça: Bolsonaro não tem nada de novo. Ele é a imagem daquilo que o Brasil sempre teve de pior: exclusão, e burrice.

Rodrigo Alves do Nascimento é Literato. Este texto nos foi gentilmente enviado por Andrea Matos, a quem agradecemos.

Feminicídio Ueslei Marcelino Agência O globoProtesto em Brasília – Ueslei Marcelino – Agência O Globo


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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