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MEMÓRIAS E LENDAS DA MINHA FORMOSA ANTIGA

Memórias e Lendas da Minha Formosa Antiga

Na minha Formosa antiga, a Semana Santa, embora silenciosa e triste, constituía realmente, durante toda a Quaresma, um de contrição e de recolhimento. As imagens todas eram vestidas de roxo, às sextas-feiras não se comia carne e, à noite, à via sacra, se cantava: A morrer crucificado/ Meu Jesus é condenado/ Por teus crimes, pecador!

Por Aparecida Hamu Opa

MEMÓRIAS E LENDAS DA MINHA FORMOSA ANTIGA
Imagem: Weliton Rodrigues/Revista Xapuri

Sexta-feira da Paixão a tristeza baixava sobre a cidade e parecia que neste dia até os galos cantavam tristes. Não tocavam os tradicionais sinos da igreja. A hora da procissão do enterro era avisada pela matraca: uma alça frouxa de ferro afixada numa tábua que, agitada, fazia um ruído característico e conhecido. Isto sem falar das inúmeras crendices que provocava este dia:

– Tirar ? Saía sangue.

– Carrear? Virava penada após a morte e passava anos carreando pelas madrugadas das sextas-feiras e assombrando a gente.

Quem da minha geração não ouviu o canto do carro de boi assombrado? E o monjolo daquele indivíduo que socou arroz na Sexta-feira da Paixão? Como era feliz, ingênuo e crédulo o nosso !

Eu juro que até pelos anos 54 e 55 ouvi um carro cantador na Sexta-Feira e Oh! E medo mesmo eu tive do ! As coisas mirabolantes que contavam com tanta veemência e de detalhes abalam até hoje a nossa incredulidade no sobrenatural.

Passei certa vez, há menos de 20 anos, pela casa onde ele reinou, lá pelos lados da Fazenda Bocaina. Ouvi tantas histórias, que planejei mil vezes procurar os antigos moradores ainda vivos então, e morando cá na cidade, correndo da tal assombração. Não o fiz. E sinto por isto.

Várias lendas povoaram a minha : a palmeira da Lagoa Feia; a serpente da Praça Rui Barbosa; o porco imenso que à meia noite aparecia sob o velho jatobazeiro da Bica: a querida e famosa Bica, que hoje nada mais é que um córrego canalizado sob o asfalto da Av. , foi logradouro importante para a nossa juventude.

Era lá que, às tardes, antes da reza na matriz, íamos passear.  Sem as preocupações e as contaminações de agora, bebíamos com as mãos em concha a água fresca que descia da nascente. Daí o chiste popular, que não é só nosso, como cita o Dr. Pimentel (Antônio Pimentel é historiador) também em seu Sobre Luziânia: “Quem bebe água da bica, aqui fica”.

Maria Aparecida Hamu Opa – Professora (in memoriam). Excerto de texto publicado na Revista DF Letras, edição 25/26, ano III. Com edições de Iêda Vilas-Bôas, nossa saudosa conselheira, encantada em 08/04/2023.

 
 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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