Os rostos, os olhos, os sorrisos

Os rostos, os olhos, os sorrisos

Com rugas, sem rugas
Brancos, negros
Queimados de sol
Com sardas
Maquiados
Feitos a laser
óxido ou ácido
Hialurônico
Perfeitos ou imperfeitos
Com plástica
Com pintas
Com sardas
Vitiligo….
Eram todos rostos.

Os olhos

azuis, verdes, cor de mel, violeta, acinzentados…
Eram olhos
Agora podem se chamar medo – medo colorido
Com essa ou outra melanina

Os sorrisos
ah, o sorriso
Tímido que fosse
Lembro-me bem…
Era tão reconfortante
Olhar para um estranho
e receber um sorriso
Aqui ou em outro país
Sorriso era sorriso
uma conexão
Forte e humana.
Agora, sem o rosto,
isolados, cobertos
De dú, angústia
Sorrisos encobertos
Por máscaras
Desfiguram
O ser
O humano

O desumano
desdenha:
É uma gripezinha
A mídia conta e reconta
Dados.
Curva sobe. Tem o pico
Um que se salva
Milhares que se vão
Vida vira estatística
E meu ser poético chora
Quero sorrisos
no meu .

Quero meu avatar
da alegria
voltando
Quero viver
Sem androides, mutantes…
Sem essa mistura de puro pavor
No recôndito do meu peito
Nostalgia e saudade.

Iêda Vilas-Bôas – 10/04/2020

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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