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Cora Coralina – A Fala De Aninha (É Abril…)

Cora Coralina – A Fala De Aninha (É Abril…)

É abril na minha cidade.
É abril no mundo inteiro.
Sobe da terra tranquila um estímulo de vida e paz.
Um dossel muito azul e muito alto cobre os reinos de Goiás.
Um sol de ouro novo vai virando e fugindo a longínquas partes do mundo.
Desaguaram em março as últimas chuvadas do verão passado.
É festa alegre das colheitas.
Colhem­-se as lavouras.
Quebra­-se o milho maduro.
Bate­-se o feijão
já se cortou e se empilhou o arroz das roças.
As máquinas beneficiam o novo
e as panelas cozinham depressa o feijão novo e gostoso.
A abundância das lavouras são carreadas para depósitos e mercados.
Encostam­-se nas máquinas os caminhões em carga completa.
Homens fortes, morenos, de dorso nu e reluzente,
descarregam e empilham a sacaria pesada.
Fecham­-se quarteirões de ruas para a secagem de grãos
que secadores já não comportam.
Gira o capital, liquida­-se nos bancos, paga­-se no comércio.
As lojas faturam alto. É um abril de bênçãos e aleluias
e cantam nas madrugadas todos os galos do mundo.
Os pássaros, os bichos se fartam nas sobras do que vai perdido
pelas roças. Respigam aqueles que não plantam nem colhem
e têm direito às sobras dos que plantam e colhem.
Mulheres e crianças estão afoitas dentro das lavouras, brancas,
de algodão aberto, colhendo e ensacando os capulhos de neve.
Sobe dos currais serenados a evaporação acre do esterco e da urina
deixados pelos animais de custeio.
O leite transborda dos latões no rumo das cooperativas,
Borboletas amarelas voam sobre o rio.
E um sobrevivente bem­-te­-vi lança seu desafio
pousado nas palmas dos coqueiros altos.
É abril no mundo inteiro. Os paióis estão calculados.
As tulhas derramando. Mulheres e crianças de sítio vestem roupa nova.
E a vida se renova na força contagiante do trabalho.
Um sentido de fartura abençoa os reinos da minha cidade.
Cora Coralina, Vintém de cobre
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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