NOTA DA ABA CONTRA A INDIANIDADE

NOTA DA ABA CONTRA A INDIANIDADE

NOTA DA ABA CONTRA A INDIANIDADE, porque essa heteroidentificação não encontra qualquer acolhida seja pela
antropológica contemporânea seja pela legislação (nacional e internacional) referente à de um povo ou grupo social etnicamente definido. 

NOTA DA ABA CONTRA A RESOLUÇÃO Nº 4, DE 22 DE JANEIRO DE 2021/ FUNAI

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), junto com sua Comissão de Assuntos , seu Comitê de Antropólogxs Indígenas e seu Comitê de Laudos Antropológicos, e em colaboração com a Articulação Brasileira de Indígenas Antropóloges (ABIA), vem manifestar-se contra a Resolução nº 4, de 22 de janeiro de 2021/FUNAI, publicada no Diário Oficial da União de 26 de janeiro de 2021, que revela seu objetivo de “definir novos critérios específicos de heteroidentificação”, visando “aprimorar a proteção dos povos e indivíduos indígenas, para execução de ”.

Importa ressaltar, inicialmente, que a heteroidentificação não encontra qualquer acolhida seja pela ciência antropológica contemporânea seja pela legislação (nacional e internacional) referente à identidade de um povo ou grupo social etnicamente definido. Tanto uma quanto outra aqui convergem sobre o fato de que a identidade étnica é única e exclusivamente definida por meio da autoidentificação. Não cabe, portanto, qualquer possibilidade de agente externo ao próprio grupo definir a identidade deste grupo ou de pessoa a ele pertencente.

A autoidentificação, esclareça-se, não significa que basta um indivíduo qualquer se dizer indígena, mas em ser também reconhecido como pertencendo a uma coletividade.

Em segundo lugar, o texto da referida resolução tem patente fundamento na Lei n. 6001/1973, o chamado Estatuto do Índio, com a sua diretriz da tutela e eivado de princípios igualmente superados na Antropologia e na legislação nacional e internacional. No primeiro caso, por meio da Carta Magna do Brasil, nossa Constituição Federal, em seus artigos 215, 216, 231e 232, e, no segundo caso, fundamentalmente por meio da Convenção nº 169 da OIT, com a qual o Brasil é comprometido, ao ser seu signatário. À luz destas normativas legais, não há lugar para a FUNAI outorgar-se um poder de tutela, agindo à revelia das comunidades indígenas e de seu direito de consulta, de auto manifestação e de formulação compartilhada de decisões que lhes dizem respeito.

Em terceiro lugar, revela-se neste novo dispositivo normativo da FUNAI o estabelecimento de óbices para o cumprimento de legalmente garantidos e cristalizados. Inclusive, e de modo grave, ele se soma a tentativas anteriores do órgão, como é o caso da Instrução Normativa-IN nº 9, de 16 de abril de 2020, que exclui, efetivamente, do exercício de seus direitos, indígenas espoliados de seus territórios e que se encontram fora destes, demandando firmemente que o Estado brasileiro, via FUNAI, atue conforme seu papel e os regularize. Soma-se, igualmente, às disposições relativas ao plano de vacinação contra a Covid-19, recentemente apresentado pelo Ministério da Saúde, que promove a exclusão justamente destes mesmos indígenas de ter acesso à vacina.

Como associação científica diretamente envolvida e comprometida com uma reflexão qualificada sobre os direitos dos no país, a ABA, juntamente com a sua Comissão de Assuntos Indígenas, seu Comitê de Antropólogxs Indígenas e seu Comitê de Laudos Antropológicos, vêm aqui arguir pela necessidade da FUNAI, como o órgão do Estado brasileiro, cumprir, de modo amplo e límpido, a sua tarefa de responder aos direitos indígenas sob sua responsabilidade.

Brasília, 01 de fevereiro de 2021.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA, sua Comissão de Assuntos Indígenas – CAI, seu
Comitê de Antropólogxs Indígenas e seu Comitê de Laudos Antropológicos, e em colaboração
com a Articulação Brasileira de Indígenas Antropóloges (ABIA)

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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