Um escracho civilizatório

Um escracho civilizatório

Governo Bolsonaro designou assassino do índio Galdino para cargo de confiança na PRF

Servidor alocado em posto comissionado com salário-extra por 11 meses é um dos condenados por do cacique pataxó

Paulo Motoryn|Brasil de Fato | (DF) |
 
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O policial rodoviário federal Gutemberg Nader de Almeida Júnior era o único menor de idade entre os cinco condenados pela morte de Galdino – Reprodução/Facebook e Correio Braziliense
O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) designou um dos cinco condenados por matar o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, em Brasília, em 1997, para um cargo comissionado na Polícia Rodoviária Federal. Gutemberg Nader de Almeida Júnior, servidor que ingressou na corporação por concurso público em 2016, foi agraciado em janeiro de 2020 com o posto na PRF e permaneceu na função até dezembro.
Nos 11 meses em que esteve no cargo de substituto do chefe da Divisão de Testes, Qualidade e Implantação, ele recebeu gratificações mensais de aproximadamente R$ 2 mil (o comissionamento é identificado pelo governo federal pelo código FCPE 101.2). Os ganhos foram acrescidos ao seu salário bruto, de mais de R$ 9 mil.
A portaria com a designação de Gutenberg foi assinada por André Luiz Marçal da Silva, coordenador de Recursos Humanos do Ministério da e Segurança Pública, então chefiado pelo ex-juiz . O comando da PRF, à época, era de Adriano Marcos Furtado.
Depois da saída de Moro da pasta, em abril de 2020, Gutemberg se manteve na função por cerca de oito meses. Em maio, com o Ministério da Justiça sob chefia do atual advogado-geral da União, André Mendonça, a direção-geral da PRF passou a ser de Eduardo Aggio de Sá.
A medida perdeu validade apenas em dezembro, quando a dispensa do servidor do cargo comissionado foi assinada por Silvia Regina Barros, atual diretora de Gestão de Pessoal da corporação. Veja o trecho das portarias que citam a concessão do cargo comissionado:

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Portaria que designa Gutemberg para o cargo comissionado, publicada em 2 de janeiro de 2020 / Reprodução/Diário Oficial da União

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Portaria que dispensa Gutemberg do cargo comissionado, publicada em 2 de dezembro de 2020 / Reprodução/Diário Oficial da União

O policial rodoviário é um dos cinco condenados pela assassinato de Galdino, que foi brutalmente queimado enquanto dormia em um ponto de ônibus na W3 Sul, avenida em um bairro nobre da capital federal. Ele era o único menor de idade na cena do crime cometido na madrugada 19 de abril de 1997.
Gutemberg foi libertado em 12 de setembro de 1997, por decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Em sessão secreta, os desembargadores trocaram a internação de três anos por liberdade assistida. Ao completar a maioridade, o registro do crime praticado na adolescência foi apagado, como determina a legislação brasileira.
Os outro quatro (Tomás Oliveira de Almeida], Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova) foram condenados, em 2001, em júri popular, a 14 anos de prisão em regime fechado por homicídio doloso. Em 2004, sete anos depois do caso, nenhum deles permanecia preso.
::: Leia a íntegra dos autos do processo que condenou os responsáveis pela morte de Galdino :::
Em seus depoimentos à Justiça, os criminosos disseram que o objetivo era “dar um susto” em Galdino e fazer uma “brincadeira” para que ele se levantasse e corresse atrás deles. Um dos rapazes disse à imprensa que ele e seus amigos haviam achado que Galdino “era um mendigo” e que, por isso, cometeram o crime.
Em 2014, Gutemberg foi aprovado em um concurso para agente da Polícia Civil do Distrito Federal. Ele passou por todas as etapas até chegar à análise de vida pregressa. Nesse momento, a morte de Galdino teve peso e a candidatura foi barrada pela corporação. O condenado questionou a decisão na Justiça e chegou a levar o caso ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), mas a determinação foi mantida.
O advogado de Gutemberg na ocasião era o então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), Ibaneis Rocha. Em 2018, tornou-se político e foi eleito para o cargo de governador do Distrito Federal, com apoio do atual presidente Jair Bolsonaro.

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O governador Ibaneis Rocha (MDB) defendeu Gutemberg em seu pleito para ingressar no serviço público; atualmente, dois dos condenados são servidores do DF / Paulo Henrique Carvalho/Agência Brasília

Mesmo com a recusa da Polícia Civil, Gutemberg insistiu no projeto de integrar uma força de segurança. Em 2016, foi aprovado em um concurso da Polícia Rodoviária Federal. Depois de disputa judicial por ter sido barrado novamente análise de vida pregressa, conseguiu tomar posse no cargo. Ele é agente da corporação desde novembro daquele ano. Até o governo Bolsonaro, Gutemberg não havia recebido nenhuma gratificação ou ocupado cargos em comissão dentro da corporação.
Brasil de Fato procurou a Polícia Rodoviária Federal para fazer questionamentos sobre a promoção de Gutemberg durante o ano de 2020. A corporação não especificou os motivos, mas enviou a seguinte nota (reproduzida na íntegra):
“O servidor Gutemberg Nader foi alvo de investigação social como qualquer outro candidato, durante o certame de 2016. Por ocasião da investigação social, houve decisão para que ele fosse desligado do Curso de Formação Profissional – CFP, de 2016, pelos fatos que são de conhecimento geral, qual seja, o evento com o Índio Galdino, quando ele era ainda menor de idade. Contudo, ele retornou ao CFP, concluiu e tomou posse como PRF, por força de decisão judicial. O servidor Gutemberg está lotado na Superintendência do Distrito Federal. Sua remuneração está no Portal da Transparência.”

TODOS OS CONDENADOS TÊM CARGO PÚBLICO

Em 2001, os quatro adultos que participaram do crime ao lado de Gutemberg foram condenados a 14 anos de prisão. Em 2002, receberam benefício de liberdade assistida, que foi revogado após vídeos do Correio Braziliense que mostravam os condenados bebendo cerveja e namorando no horário em que deviam estar trabalhando ou estudando.
No início de 2004, o benefício foi concedido novamente. Em novembro do mesmo ano, dois deles foram agraciados com a liberdade condicional. Em dezembro, os outros dois que permaneciam presos saíram da prisão pelo mesmo benefício. A pena de 14 anos foi cumprida pelos quatro completamente em 2011.
Mesmo após terem sido condenados por um crime hediondo (homicídio triplamente qualificado), todos possuem certidão negativa de antecedentes criminais. O artigo 202 da Lei de Execução Penal garante sigilo em caso de condenações já cumpridas.
“Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei”, aponta o artigo da lei de 1984.

Veja onde está cada condenado:

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Imagem mostra onde estão alocados os homens que mataram o índio Galdino / Reprodução: Instituto SocioAmbiental/Facebook/LinkedIn

Tomás Oliveira de Almeida, servidor do Senado Federal
Irmão mais velho de Gutemberg, é um dos quatro condenados a 14 anos de reclusão por homicídio qualificado. É técnico legislativo no Senado Federal, onde ingressou por concurso público em 2012. No ano seguinte, passou a receber, além do salário, um valor por ocupar uma função comissionada na Casa.

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Captura de tela da aba de Transparência do site do Senado Federal mostra remuneração de Tomás Oliveira de Almeida / Arte sobre Reprodução/Senado Federal

Atualmente, ele soma todo mês R$ 5.763,32 ao salário bruto de R$ 21.476,11. Tomás trabalha na Coordenação de Comissões Permanentes do Senado e, em 2017, chegou a ser alocado na chefia de gabinete do ex-senador Ataídes Oliveira, então do PSDB.

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O servidor Tomás Oliveira de Almeida ocupou cargo no mandato do ex-senador Ataídes Oliveira, então filiado ao PSDB / Arte sobre Reprodução/Instagram – @ataidesoliveira

Eron Chaves Oliveira, agente de trânsito no Detran do Distrito Federal
Primo de Gutemberg e Tomás, é agente do Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF). Recebe salário de R$ 15.699,20 brutos. Formado em Direito por uma universidade em Brasília, chegou a atuar na profissão, mas parou de advogar depois que uma emenda constitucional proibiu o acúmulo de funções, em 2014.

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Captura de tela da aba de Transparência do site do Governo do Distrito Federal mostra remuneração de Eron Chaves de Oliveira / Reprodução/Detran-DF

Antônio Novély Vilanova, fisioterapeuta da Secretaria de Saúde do Distrito Federal
Filho do desembargador federal Novély Vilanova, formou-se em fisioterapia pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e hoje é servidor da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, lotado no Hospital Regional de Santa Maria. Por mês, ele recebe salário mensal de R$ 15.196,46 brutos.

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Captura de tela da aba de Transparência do site do Governo do Distrito Federal mostra remuneração de Antônio Novely Dantas / Reprodução/Governo do Distrito Federal

Max Rogério Alves, servidor do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Em outubro de 2017, o advogado Max Rogério Alves foi nomeado para cargo no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), após ser aprovado em concurso público. Desde então, após anos atuando em prestigiados escritórios de advocacia em Brasília, atua como analista judiciário da Corte Distrital, onde recebe mensalmente cerca de R$ 16.091,40 de salário bruto.

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Captura de tela da seção de Transparência do site do TJDFT mostra remuneração de Max Rogério Alves / Reprodução/TJDFT

Edição: Anelize Moreira. Imagem de Capa acompanha o original da matéria. Título da Capa copiado de um e-mail do Carlos Minc. 

Galdino foi so brincadeira cb


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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