Agricultura indígena parece existir há 9 mil anos
Muito da alimentação no Brasil atual tem origem nas populações indígenas que habitavam nosso continente antes da chegada dos europeus, no final do século 15. Mandioca, abóbora, feijão, milho e outros alimentos são herança desse povo pré-colombiano.
A descoberta foi publicada na edição de julho da revista PLOS ONE, em artigo assinado por pesquisadores ligados a diversas instituições, que estudam o sítio Teotônio, local dos achados. O estudo é importante por indicar que a agricultura nessa região é anterior ao que se pensava e por sugerir outras possibilidades de ocupação do continente.
Fragmentos e vestígios
Naquela localidade, próxima a Porto Velho, capital de Rondônia, eles encontraram fragmentos vegetais carbonizados e vestígios de plantas conhecidos como fitólito, além de grãos de amido aderidos a ferramentas líticas (de pedra). As evidências indicam cultivo e consumo de vegetais.
Um dos cientistas que coordena a equipe é Fernando Almeida, professor do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Ele explica que o achado aponta para um novo olhar sobre a ocupação das terras baixas sul-americanas.
“De uma forma geral, tem-se a noção, pelos estudos que aconteceram ao longo do século 20, de que nas terras baixas sul-americanas, especificamente na Amazônia, nada aconteceu de importante. Tudo de relevante [a domesticação de plantas, por exemplo] teria acontecido nos Andes e foi repassado lá ‘de cima’ aqui ‘para baixo’ através de migração ou de difusão do conhecimento”, explica.
O pesquisador destaca que na região amazônica já havia registros de algumas das ocupações mais antigas da América do Sul. “E agora temos esses indícios muito antigos do cultivo de alimentos – mais antigos até do que nas áreas andinas”, pontua.
Dados arqueológicos
Fernando sugere inclusive que essa rota de conhecimento pode ter sido invertida. “Quero dizer que as terras baixas não apenas foram, sim, centro de domesticação de alimentos, como também que, se alguma coisa aconteceu de difusão e migração desses conhecimentos e técnicas, foi de baixo pra cima e não o contrário”, defende.
A primeira autora do trabal a arqueóloga britânica Jennifer Watling, que participou da equipe durante estágio de pós-doutorado no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), orientada pelo professor Eduardo Góes Neves.
Eduardo foi também orientador de Fernando Almeida, que agora divide com ele a coordenação do grupo de cientistas. A parceria tem multiplicado as contribuições: um dos coautores do trabalho é Thiago Kater, que fez mestrado na UFS, orientado por Fernando, e agora faz doutorado na USP.
Outra pesquisa do grupo já indicava a domesticação de plantas no sítio Teotônio, através do exame de correspondências entre dados arqueológicos e botânicos. “São evidências – indiretas, através dos vestígios genéticos, e agora diretas, pelos vestígios arqueológicos – de que esse alimento realmente estava sendo domesticado nessa região”, diz Fernando.
Plantas milenares
Entre as plantas cultivadas, algumas domésticas e outras exóticas, foram identificadas a mandioca, a abóbora, a goiaba, o feijão e o pequiá.
O professor Fernando observa que a mandioca, por exemplo, alimento tipicamente tropical, foi difundida em praticamente todo o território da área que hoje corresponde ao Brasil, ainda na época pré-colombiana. “Quando Pedro Álvares Cabral chega aqui à Bahia, os tupinambás que o recebem estão plantando mandioca”, ilustra.
O docente pondera ainda que os resultados das pesquisas do grupo apontam para a diversidade dos vegetais domesticados. “Nossos índios fizeram um ‘mega’ manejo, com um monte de plantas, algumas das quais nem foram totalmente domesticadas, como a castanha do Pará, o açaí”, diz.
Para ele, essa variedade tem a ver com a zona de transição entre as áreas altas (montanhas andinas) e a floresta tropical. Inclusive, o sítio Teotônio fica localizado exatamente nessa área de transição, em uma parte onde as corredeiras do rio Madeira tornavam a navegação intransponível – hoje há uma represa na região.