A cartomante não muda o futuro
Também gosto de astrologia, cartomancia, ciências ocultas. Mas ainda não vi nada disso mudar meu futuro. Parece que só a gente mesmo é que pode fazer o dia de amanhã.
Mas antes a pergunta que se impõe é esta: que é mesmo que você quer? Saber a resposta é indispensável.
Talvez você descubra que há duas ou três coisas que você põe acima de tudo no mundo. Saber disso é um passo importante que você terá dado. E o que precisaria você fazer para conseguir o quer? Algum sacrifício, isso é quase certo.
E é quase certo que, se você quer mesmo o quer, o sacrifício vale a pena. Tudo isso tem que se passar entre você – e você mesma. A cartomante não ajuda.
Mas se você pegou o hábito de pessimismo, é ruim. Atrapalha muito, atrapalha de fato. O dia de amanhã fica logo com ar de chuva que vem. E seu raciocínio de pessimista fica mais ou menos assim: se não houve nuvem de chuva no céu, você aí mesmo é que se preocupa – pois que coisa estranha é essa, amanhã vai chover e hoje nem tem uma nuvem no céu? Mau sinal, mau sinal.
Estou brincando, é claro, mas o que quero dizer é que o pessimista está sempre arranjando um jeito de acomodar as coisas ao seu pessimismo.
O ideal é ser como uma senhora que conheço. Ela me disse – e não me disse apenas por dizer, pensava mesmo assim, sentia mesmo assim – ela me disse: quem já sofreu realmente não sofre mais por bobagens.
Bem sei que certas dores ficam doendo, a pessoa se torna toda “nevrálgica”, e o que nem devia incomodar passa a perturbar. Mas é aí que entra uma conversa entre você – e você mesma. Ou entre você e uma pessoa que entenda das coisas do mundo. A conversa terá como finalidade descobrir o que é que ainda está doendo. Conversa para pôr os pontos nos iii, às vezes não sabe que ponto colocar em que i.
Mas também nisso a cartomancia não resolve. É pena, você mesma terá que tomar conta do assunto. Com minha ajuda, se quiser.
Fonte: Clarice Lispector, em Correio Feminino. Organização Maria Aparecida Nunes. Editora Rocco. 2006.