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A independência que realmente tivemos

A INDEPENDÊNCIA QUE REALMENTE TIVEMOS

A independência que realmente tivemos

Se cumprem 200 anos de que o deixou de ser colônia. Termina o período iniciado com a invasão do território nacional pelos colonizadores

Por Emir Sader

Mas, ao contrário da grande maioria dos países latino-americanos, o Brasil não passou de colônia a República, mas de colônia a monarquia. Por quê? Qual o significado dessa passagem anômala no continente?

Na grande maioria dos países latino-americanos, a inadependência significou a ruptura com os colonizadores, assim como o fim da escravidão. No caso do Brasil, ao contrário, a data significou a vinda da família real portuguesa ao Brasil, estreitando os laços com o país, ao abandonar Portugal às tropas napoleônicas. A Espanha, ao contrário, havia resistido a essa invasão, o que enfraqueceu o poderio militar espanhol e favoreceu sua derrota diante dos países latino-americanos.

Assim, o Brasil passou de colônia a monarquia, estreitando, ao invés de distanciar-se, dos colonizadores. A ponto que seu primeiro monarca foi o filho do monarca português. E aquela frase, que alertava que se deveria impedir que algum aventureiro se apropriassem da coroa, os aventureiros eram os brasileiros, entre eles, Tiradentes. O “independência ou morte” não remetia à independência do Brasil, mas à permanência do vinculo com Portugal. O Brasil não teve os próceres da independência como Bolivar, San Martin, O’Higgins, Sucre, entre outros, que tiveram os outros países da e do Caribe.

Ao mesmo , não terminou a escravidão no Brasil com o fim da colônia. Os dois fatores estavam intrinsecamente vinculados, conforme as análises de Caio Prado Jr. Em 1859 se decretou uma Lei de Terras, que formalizava a propriedade das terras dos que se haviam apropriado delas. Assim, quando, no final do século XIX, terminou a escravidão, os novos homens livres não tinham acesso às terras. Deixavam de ser escravos, mas seguiam sendo pobres, sem terras.

Dessa forma, a questão colonial se enlaçou com a questão étnica e com a questão social e a nacional. O Brasil foi o país da América Latina e do Caribe que mais tarde terminou com a escravidão. E a República só foi instaurada no final do século XIX, como uma espécie de movimento militar, sem nenhum tipo de participação popular, protagonizado pelos militares.

Do ponto de vista da dependência externa, já se havia dado a transição da dependência portuguesa para a dependência da Inglaterra, que se consolidou a partir daquele momento.

Temos que comemorar aquele tipo de independência? Temos que compreender seu significado. Compreender como aquela independência frustrante teve efeitos sobre o futuro do país.

Em primeiro lugar, por ter estendido a escravidão por quase um século a mais. Em segundo, por não ter começado a construção do nacional já no momento do fim da colônia.

Como dizia o Spinoza: Nem chorar, nem sorrir, compreender.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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