A lenda do pé de garrafa

A lenda do pé de garrafa

A lenda do pé de garrafa

O Pé de Garrafa é um ente misterioso que vive nas matas e capoeiras. Não o veem ou o veem raríssimamente. Ouvem sempre seus gritos estrídulos ora amedrontadores ou tão familiares que os caçadores o procuram, certos de tratar-se de um companheiro transviado. E quanto mais rebuscam menos o grito lhes serve de guia, pois, multiplicado em todas as direções, atordoa, desvaira, enlouquece.

Por Luís da Câmara Cascudo

 Os caçadores terminam perdidos ou voltam a casa depois de luta áspera para reencontrar a estrada habitual. Sabem tratar-se do Pé de Garrafa porque este deixa sua passagem sinalada por um rastro redondo, profundo, lembrando perfeitamente um fundo de garrafa.

Supõem que o singular fantasma tenha as extremidades circulares, maciças, fixando vestígios inconfundíveis. Vale Cabral, um dos primeiros a estudar o Pé de Garrafa, disse-o natural do Piauí, morando nas matas como o Caapora e devia ser de estatura invulgar, a deduzir-se da pegada enorme que ficava na areia ou no barro mole do massapé.

O Dr. Alípio de Miranda Ribeiro foi encontrar o Pé de Garrafa em Jacobina, no Mato Grosso. Seu informante, Sebastião Alves Correia, administrador da fazenda, fez uma descrição mais ou menos completa.

O Pé de Garrafa “tem a figura dum homem; é completamente cabeludo e só possui uma única perna, a qual termina em casco em forma de fundo de garrafa”. É uma variante do Mapinguari e do Capelobo. Grita, anda na mata e tem o rastro circular. Não há informação se o Pé de Garrafa mata para comer ou é inofensivo.

Luís da Câmara Cascudo – Dicionário do Folclore Brasileiro. Editora Global, 2000.

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação. 

Resolvemos fundar o nosso.  Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.

Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.

Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e,  enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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