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A mulher e o carcereiro 1

A mulher e o carcereiro 1

A mulher e o carcereiro 1

Antes da pandemia, quando ainda podíamos nos sentar às mesas de bares e conhecer novas pessoas, e ter contatos pessoais, eu conheci uma jornalista, uma mulher de 50 anos, inteligente, altiva, autossuficiente e muito divertida.

Fiquei impressionada como ela encarava e falava sobre os diversos encontros que tinha tido no decorrer da vida, e como se divertia narrando até mesmo quando fora rejeitada (não sei se é a palavra correta, mas vamos usá-la) pelos homens que cruzaram seu caminho.

Nunca a vi dizer que era um mulherão da porra, que não precisava deles ou que eles a haviam perdido, ou seja, esse discurso de psicologia de boteco de se enaltecer. Dizia que assim são as coisas, assim é a vida e da mesma forma que era desejada por uns e não os queria, ela desejava outros que não a queriam, portanto, seguia seu caminho com lucidez e a certeza que lá na frente se depararia com outro que poderia ser mais um visitante ou se tornar um morador na sua vida.

Mas ela gostava de contar as histórias para mostrar como agem a maioria dos homens (claro que há exceções, mas não vou falar sobre elas), sempre com muita ironia e um largo sorriso no rosto quando dava sua impressão sobre os seres masculinos que conheceu.

Hoje vou contar a de um deles.

Um dia, a jornalista sentada em um bar conversando com uma amiga sobre a conjuntura do país e lhe contando sobre a impressão de políticos que entrevistara acerca de denúncias apresentadas pelo Ministério Público ao Judiciário contra um determinado governador, observou a chegada de um homem que se sentara à mesa mais próxima e de frente para ela.

Esse homem chegou só e com um computador em suas mãos, sentou-se, o abriu e iniciou sua escrita. Ela achou a cena peculiar, uma pessoa ir trabalhar na mesa de um bar, era algo incomum e interessante, mas como sempre fez, simplesmente manteve-se como se nada tivesse lhe chamado a atenção.

A amiga resolveu ir ao banheiro e enquanto aguardava a sua volta, começou a deslizar seus dedos no como se estivesse distraída, e delicadamente levantou seu olhar na direção daquele homem curioso, e como calculado e esperado por ela, eles cruzaram o olhar.

Quando sua amiga retornou, lhe disse quase sussurrando que ao sair observara que o homem da mesa em frente não tirava os olhos dela, e com um sorriso jocoso ela respondeu: “Eu já tinha percebido, tanto que lhe concedi uma troca de olhares, como se fosse apenas uma coincidência do destino!”.

Depois de umas boas risadas, as duas se levantaram para fumar no jardim, onde era permitido. A jornalista se levantou, andando suavemente e quando passou próximo à mesa, levemente virou a cabeça na direção daquele homem e o olhou nos olhos com um breve sorriso nos lábios.

Após alguns minutos, suficientes para terminar o cigarro, retornaram à mesa, conversou mais um pouco com sua amiga, e decidiram encerrar a conta porque já estavam atrasadas para outro compromisso que assumiram.

Pagaram a conta e se levantaram para irem embora, quando ela de relance observa o homem do computador escrever algo em um pequeno papel e chamar o garçom. Ela conta que nesse momento apenas sorriu e pensou: Lá vem mais um bilhetinho!

Depois relatou outra história de bilhetinhos recebidos por ela.

Assim, quando já estavam se encaminhando para a saída, o garçom rapidamente se aproximou dela e disse que o homem do computador havia pedido para que lhe entregasse o bilhete, em que constava o número do telefone e o nome de quem o enviara. Ela se vira, pega o pequeno papel, sorri ao homem e coloca o bilhete no bolso de trás da calça.

A amiga lhe perguntou o que faria. Ela respondeu que iria mandar uma mensagem, pois ficara curiosa com aquela figura que decidira trabalhar com seu computador em um feriado no bar.

Assim foi feito. Entrou em contato pelo meio de comunicação mais popular hoje e iniciaram a famosa troca de mensagens via whatsapp, e nessas mensagens aquele homem lhe disse que era escritor, depois lhe encaminhou o conto que terminara de escrever no dia em que a tinha visto pela primeira vez. Não direi aqui a impressão que ela teve sobre a qualidade do conto, até porque ela apenas me disse que estava bem escrito, e resguardou sua opinião sobre o que achara, apesar de ter sido questionada sobre isso.

A comunicação virtual ocorreu por meses, o que a deixou cansada e entediada por várias vezes, mas disse que tentava entender pois descobrira que se tratava de um homem mais novo, com pouco mais de 10 anos a menos que ela, e como tivera algumas conversas interessantes sobre , , conjuntura política, humanidade e a vida, temas que lhe agradam profundamente, decidiu manter a comunicação, mesmo que virtual.

Nesse momento da história já estávamos todas encantadas com aquele homem, que apesar da ausência de encontros, nos parecia ser diferente da maioria dos que encontramos por aí.

Mas como nada é tão bom quanto parece, ela nos pede paciência para continuar a história. Afinal, trata-se de mais um homem…


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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