A Paz, Gil, Fernanda e João Donato

A Paz, Gil, Fernanda e João Donato

Por Marcelo Abreu

Semana passada, foi Fernanda, 92 anos. Hoje foste tu, aos 79. Os dois, juntinhos, no mesmo lugar. Os dois imortais. A Academia Brasileira de Letras é que deve se orgulhar da presença de vocês dois. , o fundador, mesmo mortinho da Xavier, bateu palmas.
 
Mas o que João Donato faz neste post? Vamos lá. Há alguns anos, ele veio fazer um show em . Só que o imponderável sempre andou perto de cada um de nós.
 
João sentiu fortes dores no peito, hora antes de o show começar. Era um infarto brutal. Levaram-no ao Hospital de Base, sim, público, do SUS, o maior do DF.
 
Lá, foi socorrido. Submeteram-no a um cateterismo de emergência. Escapou. Ficou dias internado.
No dia da alta, ele quis fazer um show para todos do hospital, no auditório do lugar. Ele e um piano. Mas não queria divulgação disso. Era a sua forma de agradecer — legítima, simples, sem afetação, como é João.
 
E o auditório lotou. O pessoal da limpeza, auxiliares de enfermagem, enfermeiros, médicos e alguns pacientes que puderam se locomover até o local. Todos.
 
Um mar de gente de roupa branca, de macacões de faxina e pijamões de pacientes. E foi um show memorável. Eu fui o único repórter que teve acesso àquele auditório. Tarde histórica. Um furo de reportagem.
 
Bela contracapa no jornal. Depois, João conversou comigo. Tava feliz. O menino do estava realmente feliz. E VIVO!
 
Ana Sousa, então assessora de imprensa do Base, teve que se explicar, no outro dia, com os colegas dos outros jornais e TV’s, porque só eu estava ali. Bom, isso foi com ela. 🤣🤣🤣🤣
 
No show, João cantou, além de grandes sucesso, a preciosa A PAZ, dele e do hoje imortal Gilberto Gil. Uma das canções de que mais gosto na , imortalizada na voz linda e única de Zizi Possi.
 
O auditório veio abaixo. A emoção da canção fez aquela gente de jaleco branco e uniforme de faxina chorar. Eu tb chorei. Foi, de fato, comovente. Catarse coletiva.
 
E depois vieram os aplausos. João, ainda de pijamão do hospital e carregando soro, tocou, cantou e encantou por cerca de uma hora. Ele agradeceu pela VIDA a todos.
 
Num país onde não há mais e a escuridão tomou conta de tudo e tanta gente perversa saiu dos seus esgotos mais fétidos, pelo menos na ABL há alguma luz. Pelo menos ali. Que haja um novo .
 
Vai, Gilberto. Vai, Fernanda. Subam nesse palco. Façam desse lugar um TEMPLO para melhores. Eles voltarão. Não há escuridão que dure para sempre. Não há noite que não acabe.
Não há.
 
Foto: internet.

 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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