A ultrapassagem da barreira de espécie
Muito se fala da pandemia provocada pelo Covid-19. Repetem-se informes sobre os sintomas físicos, psíquicos, e, principalmente, socioeconômicos da doença que gera. Mas quase não divisamos reflexão mais aguda acerca de sua origem. Afinal, de onde veio o coronavírus?
Essa questão fundamental – posto que, se resolvida, serviria à prevenção de novas pandemias – tem laços estreitos com outra indagação, talvez a mais importante da agenda humana, embora incrivelmente desagradável ao capitalismo (que muito investiu para sepultá-la na letargia do negacionismo) qual seja: o que fazer diante do colapso ambiental em escala planetária?
O horror econômico já em curso, agudizado pela pandemia, que em poucos meses pôs o sistema capitalista de joelhos, mostra a relevância do Ser Social e desvela a mediocridade intelectual da governança global, em especial em nichos da ultra direita, que campeiam errantes por rincões arcaicos como Washington e Brasília. Sem o Ser Social, ou seja, o funcionamento cooperativo de toda a sociedade em sua relação metabólica com a natureza, ninguém sobrevive, ao menos nos moldes civilizacionais que conhecemos, e sem a objetivação, cotidiana e dinamizada, da força de trabalho na consecução dessa função metabólica, o capitalismo trava. Simplesmente rasteja.
E tudo isso frente a eclosão de um simples vírus. Mas a pergunta que não cala: de onde ele apareceu? Por quê? Como? Poderia – como o foi – sim, ser o coronavírus. Mas também poderia ser um mais contundente, o ebola, ou mesmo uma espécie evoluída dos vírus influenza, enfim. Mas, indiscutivelmente, todos têm uma única fonte: a destruição sistêmica e impune dos ecossistemas fundamentais nos últimos 200 anos.
A melhor organização, divisão e maximização da força de trabalho aliada às sucessivas levas de inovação tecnológica, conferiram ao capitalismo um poder de degradação socioambiental sem precedentes.
O aprofundamento da lógica inscrita no DNA do capitalismo, de transformar tudo, da força de trabalho humano aos bens ambientais coletivos (como terra, água, paisagens, espaços geográficos, etc) em mercadoria, tem resultado na destruição dos habitats naturais em uma velocidade e escala jamais vivenciadas nos tempos geológicos do planeta, não conferindo às espécies sobreviventes, chance alguma de adaptação biológica às radicais alterações ecossistêmicas.
Sob a pressão contínua da destruição de seus nichos naturais, não resta muito aos animais sobreviventes (de seres unicelulares aos mais avançados pássaros, insetos, mamíferos, etc) do que buscarem sustento nos limites das aglomerações humanas. Daí à passagem aos humanos dos micróbios que a tempos imemoriais eram inofensivos nos organismos da fauna, não passa de um átimo. Apenas uma questão cronológica, dado que inevitável esse evento. Na ciência, dá-se a tal fenômeno o nome de “ultrapassagem da barreira de espécie”.
Fonte: Justificando