A VIDA DO CHICO MENDES EM UM CORDEL
Em 2008, escrevi um cordel sobre a vida inteira do Chico Mendes, que vai desde o dia em que ele nasceu até o dia em que ele foi morto no escuro da noite, no quintal da casa dele, lá em Xapuri
Por Elias Rosendo
Conto de quando fundamos o STR de Brasiléia, eu sendo eleito presidente do primeiro sindicato de trabalhadores criado naquela região, e o Chico sendo eleito para ser meu secretário.
Lá, a primeira coisa que o Chico pediu para comprar foi uma máquina de bater letras, mesmo nenhum de nós dois sabendo usar. Comprei, mas logo desisti de aprender. O Chico, não.
O Chico insistiu com as teclas até aprender a escrever naquela máquina de datilografia. Depois, um tempo mais tarde, ele passou por lá, disse que era coisa de estimação e trouxe essa máquina pra Xapuri. Hoje, eu não sei onde ela está.
O Chico eu conheci desde pequeno, coitadinho. Com sete para oito anos, o menino já estava cortando seringa com o pai dele; com a mãe e os irmãos, depois que o pai morreu.
Ele querendo ir pra Xapuri estudar, e a mãe sem condição de deixar. Depois apareceu uma pessoa que ensinou ele a escrever, a fazer as contas e a pensar na política. Eu e ele no Sindicato de Brasiléia, junto com o Wilson Pinheiro, vimos aparecer as primeiras ameaças, os primeiros despejos, as primeiras violências contra os trabalhadores.

Nessa época, eu fiquei sabendo dos maus tratos que um capitão do Exército, que era médico e tomava conta do Hospital de Brasiléia, estava fazendo contra os trabalhadores.
Revoltado, dei queixa do capitão na polícia e, como todos eram farinha do mesmo saco, em vez de mudar o tratamento do povo na doença, o capitão mandou me avisar que eu estava marcado, que ele ia me pegar e que a polícia faria esse favor a ele.
Eu, que não tinha o arrojo do Wilson Pinheiro, caí fora. Passava pelo Sindicato, mas era correndo. A maior parte do tempo eu andava era sumido, no mato. O pessoal falava que eu não aparecia porque era farrista, mas o que aconteceu comigo foi medo mesmo.
Wilson Pinheiro, que era um cara valente e corajoso, acabou assumindo como presidente do Sindicato no meu lugar. Achei justo, porque ele era um cara de acossar, e eu não dava para aquilo.
Ele andava depressa, eu ia mais devagar. Eu dizia pro Wilson Pinheiro: “Manera, amigo, anda com o passo mais lento. Do jeito que tu tá indo, os cabras vão te pegar”. Ele continuava convocando assembleias, organizando empates, marcando posição no conflito.
O Wilson era uma pessoa muito boa, muito bacana. Comprou dois caminhões e andava pelos seringais com esses caminhões aviando as precisões dos companheiros. Antes do assassinato, os jagunços fizeram pressão e queimaram os caminhões dele.
O Chico ficou ameaçado e, para sobreviver, acabou se mudando pra Xapuri. Chegando em Xapuri, (nessa época ele já era um cara muito querido), acabou sendo eleito vereador pelo MDB. Mas ele não gostava do MDB.
Ele queria mesmo era seguir o Lula e fazer o Partido dos Trabalhadores. Em 1980, foi pra São Paulo e lá eles fundaram o PT. Depois disso, Chico voltou ao Acre para fazer o PT. Chico Mendes chegou dizendo que era para todo mundo somar força no PT, e nós nos juntamos a ele. É por isso que me afeiçoo tanto ao PT. Estou nesse partido e dele não saio mais.
Esse foi o partido que entrei ao lado de Chico Mendes e é nele que vou morrer. O PT nós começamos desde os anos 1980, mas a primeira eleição com candidato do PT só aconteceu em 82. Fui candidato a vice-governador na chapa do Nilson Mourão para Governador. O Chico Mendes saiu candidato a deputado estadual. A gente não teve quase nada de voto, porque não tínhamos dinheiro para campanha e o partido ainda era pequeno.
Chico morreu com esse ideal de defender a floresta. Ele era um cara que não tinha medo de fazer empate na mata, mas ele achava também que tinha que sair do Acre para levar as nossas propostas. Ele juntou um monte de seringueiros e foi pra Brasília defender as Reservas Extrativistas, que só se realizaram depois da morte dele. Quando ele via uma motosserra, ficava doido de tristeza.
Ele falava: “Que pena que tenho dessa floresta. Que dó eu tenho do seringueiro que vai ser expulso, que não vai mais ter seringa pra cortar, nem castanha pra colher”. Ele era muito humano. O amor que tinha pela floresta também era o amor que ele tinha pelo seringueiro.
Elias Rosendo – Seringueiro e poeta da Floresta (1925-2018). Companheiro de luta de Chico Mendes, cofundador e primeiro presidente do Sindicado dos Trabalhadores Rurais de Brasileia.
.