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A vida – e os amores – de um bicudinho-do-brejo ancião

A vida – e os amores – de um bicudinho-do-brejo ancião

Monitorado desde 2007, Rosaldo é o bicudinho-do-brejo mais velho já registrado e tem ajudado os pesquisadores a entender como garantir a conservação da espécie.

Por Duda Menegassi/O Eco

Num pequeno ninho na ilha do Jundiaquara, em Guaratuba, no sul do Paraná, vive um pássaro singular. Rosaldo é um bicudinho-do-brejo, espécie que ocorre apenas nos brejos salinos e estuários da região sul. Com 16 anos e três meses, bateu o recorde de idade pra espécie, que costuma viver em média 5 anos. Conhecido pelo nome, Rosaldo representa também o recorde de tempo de monitoramento de um indivíduo de bicudinho na natureza, um feito possível graças à dedicação da equipe do Projeto Bicudinho-do-Brejo que o acompanha desde 2007. 

O bicudinho-do-brejo (Formicivora acutirostris) não mede mais do que 15 centímetros, o tamanho de uma caneta. Nas fêmeas, o peito rajado de manchas pretas e brancas, em contraste com o dorso castanho, chama atenção logo de cara. Já no macho, o peitoral é todo cinza escuro. Nas asas pretas do macho, pontos brancos desenham estampas únicas em cada um. O bico, alongado e fino, é a arma ideal para ir atrás das formigas, seu banquete favorito.  

Rosaldo possui duas anilhas que ajudam na identificação. E assim, em meio à vegetação herbácea do brejo que protege seu ninho, a equipe do projeto o observa todos os meses. Nesses 16 anos de monitoramento, Rosaldo ensinou muitos aos pesquisadores. “Comparamos as estratégias reprodutivas do Rosaldo ‘vovô' com o tempo em que ele era jovem, bem como com seus ‘vizinhos' mais novos. A proposta é verificar se existe capacidade de aprendizado com a experiência, o que diminuiria a preocupação com a sobrevivência da espécie em consequência da mudança climática”, explica a coordenadora do projeto, Giovana Sandretti-Silva.

A e os impactos do aumento do nível do mar no habitat do bicudinho-do-brejo, restrito a essas áreas úmidas salinas do litoral, é uma das principais ameaças à conservação da espécie, atualmente avaliada nacionalmente como Vulnerável ao risco de extinção.

Acompanhado de perto por toda sua vida, Rosaldo foi cuidado e ensinado por seu pai até os 54 dias de idade, quando partiu para suas próprias aventuras. Os bicudinhos-do-brejo vivem em casais, com uniões que podem durar a vida toda, e os dois se revezam nos cuidados com os filhotes. Aos sete meses, Rosaldo encontrou uma parceira e foi morar no território em que vive até hoje. Esse primeiro “casamento” durou quatro anos e gerou três filhotes. Sua companheira morreu no início de 2012. 

Rosaldo encontrou uma nova parceira alguns meses depois. Com a segunda “esposa”, com quem ficou por mais de nove anos, deu origem a mais oito filhotes. Em 2021, entretanto, a fêmea, que já completava 10 anos, sumiu. Inabalável, o pequeno pássaro – que já é pai de 11 bicudinhos – reencontrou o amor no mesmo ano, ainda sem descendentes – “apesar das tentativas constantes”, conta a equipe do projeto.

A equipe do Projeto Bicudinho-do-Brejo realizou duas estimativas populacionais este ano, com dois métodos distintos. O cálculo mais otimista, que considera que todo ambiente na área de distribuição da espécie estaria em condições adequadas para abrigar indivíduos de bicudinhos-do-brejo, aponta 6.200 indivíduos na natureza. Ao levar em conta uma modelagem da dinâmica populacional da espécie, entretanto, estima-se que há, na verdade, menos de 1.000 bicudinhos na natureza. 

Os pesquisadores explicam que para sustentar um casal de bicudinhos, o território pode ter desde apenas 0,25 hectare – caso todas as condições sejam extremamente favoráveis – até 3,2 hectares, em locais com condições mais adversas para espécie.

Para apoiar a conservação da espécie, foi firmada uma cooperação técnica e científica entre as equipes do do Projeto Bicudinho-do-brejo e do Zoológico de São Paulo. A primeira etapa consiste na manutenção das plantas do ambiente natural e o oferecimento de uma dieta balanceada para a espécie, além do conhecimento no manejo das aves. Eventualmente, se necessário, após análise dos especialistas e com as autorizações necessárias, o Zoo poderá atuar na conservação ex situ (fora do ambiente natural) da espécie a fim de manter uma população de segurança em cativeiro. 

“Serão 10 anos de trabalho conjunto com o objetivo de aumentar a quantidade de ambientes de vida do bicudinho-do-brejo e ajudar para que mais filhotes nasçam e sobrevivam”, esclarece o coordenador do projeto Marcos Bornschein, professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP).

Fonte: O Eco. Foto de capa: Gabriel Marchi.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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