III Conferência Indígena da Ayahuasca
Por Jairo Lima
Aonde estará entre os dias 10 e 13 de outubro?” – Perguntei.
“Onde V. Excelência quiser…” – Foi a resposta.
Diálogo curto, à noite, mas cheio de significados, que tive num primeiro contato em meses com meu amigo Domingos Bueno, através de uma pequena mensagem via zap zap. Nessa mesma noite enviei mais umas quatro mensagens curtas e diretas, com a mesma essência, a algumas pessoas específicas, como a amiga Maíra Dias – que ficou muito emocionada -, rompendo, assim, mais um pequeno exílio a que me impus nos últimos meses, onde, além de não escrever nada – principalmente depois de tudo o que ocorreu após meu texto sobre o kambô – também ‘sumi’ de boa parte da minha já diminuta vida social.
E foi assim que comecei a atiçar o fogo da chama que anima os que, assim como eu, vem participando de um dos eventos mais interessantes que já tive a oportunidade de participar: Conferência Indígena da Ayahuasca. A data a qual cutuquei meus amigos trata-se justamente do período previsto para a realização da terceira edição desse evento, desta vez, a ser realizada no Instituto Yorenka Tasorentsi, centro de cultura, cura e espiritualidade que tem como farol condutor o querido Benki Ashaninka. Esse instituto fica no distante e exótico município de Mal. Thaumaturgo/AC.
Papeando com o amigo Domingos Bueno, dias depois da pequena mensagem zapiana, concordamos que, terminado o ritual noturno da segunda edição da conferência, muitos, assim como nós, demoraram um bom tempo para ‘cair a ficha’, fato esse que, no nosso caso, que vez por outras nos lançamos à seara literária, nos impossibilitou de escrever especificamente a respeito dessa conferência: “Tô ainda assimilando o que foi tudo aquilo…” – Foi a frase do Domingos que, para mim, sintetiza bastante o que eu mesmo sinto. Creio que, nesse momento, posso dizer seguramente que a ‘assimilação de tudo’ se dará nesse novo encontro.
Em outra troca rápidas de mensagens, dessa vez com o amigo Maicon, pesquisador de botânica, que começou a acompanhar a conferência a partir de 2018, e que nesse ano faz parte do pequeno grupo de ‘nawa’ (não-índio) de convidados chegamos ao consenso que esse evento é como um trem que nunca passa na mesma estação e que, seguramente, perdê-lo seria perder a viagem toda.
E o que faz esse evento tão especial?
Por acaso seria o fato de estar presente em meio a tantas culturas reunidas, na pluridiversidade colorida, rica e positiva dos povos indígenas presentes? Talvez seria pela riqueza dos temas debatidos, com a troca de percepções e saberes sobre temas tão importantes? Ou será que seria pelos rituais incríveis que onde os participantes comungam juntos do ‘vinho encantado’, ao som das canções tradicionais, em diferentes línguas, que nos levam à primeva de nossa essência humana?
Não saberia responder, e não acredito que alguém saiba, mas, de algo tenho absoluta certeza: estar presente e assistir, vivenciar e respirar cada momento desse encontro é algo que nos transforma, seja no espírito, seja na percepção de mundo.
Os primeiros vídeos começaram a circular, trazendo as chamadas para o evento, entre estes uma mensagem profunda do Benki, instigando os líderes espirituais indígenas a estarem presentes nesse evento que contará, além dos povos indígenas do Juruá, com representantes dos povos indígenas do Peru e Colômbia. Além destes, um grupo de convidados que vão de representantes da ONU a membros do judiciário brasileiro, passando, claro, por observadores de universidades.
A expectativa é grande, com certeza, mas confesso que ao pensar sinto um friozinho no estômago. Ainda lembro muito bem do ritual de encerramento da conferência anterior, e como passei meses para refletindo sobre tudo que foi ‘mostrado’.
Assim, nesse processo de ‘esquenta’ para o evento, volto à pena para riscar em linhas minhas percepções, saindo de minha ‘hibernação invernal’, onde os ventos e os ‘tempos’ estão confusos e revoltos, para acordar para essa primavera de luz e saber, representado por esta conferência.
Jairo Lima é indigenista, graduado em Pedagogia pela UFAC, com especialização em antropologia. Atua há mais de vinte anos junto aos povos indígenas do Acre e desde 2012 é servidor da FUNAI, na região do Juruá, Acre.
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Foto: Frascos de crista com Hëu (como o povo Puyanawa designa a ayahuasca) – Ramon Aquim. Capa: Tiago Tosh.