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Agronegócio insiste em tirar Mato Grosso da Amazônia Legal

Agronegócio insiste em tirar Mato Grosso da Amazônia Legal

Para , ambientalistas e movimentos sociais, parlamentares ressuscitaram o já derrubado em outras legislaturas para incluí-lo como mais uma “bomba” antiambiental em tramitação no Congresso Nacional.

Por Keka Werneck

Acelerou a tramitação de mais um projeto inimigo do meio ambiente no Congresso. O Projeto de Lei (PL) 337/2022 ressuscita a antiga intenção de tirar o Mato Grosso da Amazônia Legal. O objetivo é claro: fugir de regras protetivas para permitir o avanço do agronegócio. Os limites da Amazônia Legal foram delimitados em 1953, pela Lei Federal 1.806. A lei determinou que fazem parte dessa demarcação os estados do Acre, Amapá, Amazonas, de Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, do Tocantins e parte do Maranhão.

Produtores rurais defendem o PL porque, se aprovado, não precisarão mais manter 80% de suas propriedades preservadas, como exige a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012). Esse é o percentual determinado para o bioma amazônico. Eles passariam a ficar sujeitos às regras para o Cerrado (35%) ou campos gerais (20%).

O PL 337 foi apresentado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em 22 de fevereiro e, como outros projetos do gênero, seu trâmite foi acelerado e o texto já está sendo analisado em comissões. O relator, deputado federal Neri Geller (PP), confirma que “superou outros que estão na fila há tempos”.

“É suicídio”, resumiu o presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Crisanto Rudzö Tseremey’wá. A organização representa 52 mil indígenas brasileiros das 43 etnias que habitam o estado. Para Crisanto, o PL 337 tem o falso propósito de garantir comida aos brasileiros e vem, na verdade, autorizar excessos do agronegócio e liberar o desmatamento em reservas. Faz parte de um contexto que se soma ao recente PL 191, que autoriza mineração em territórios indígenas, e aos outros projetos que estão em diferentes fases de tramitação no Congresso, mas são de interesse do governo Bolsonaro.

“Tenho plena consciência de que esta é mais uma peça sendo mexida no quebra-cabeças do poder. Este projeto já foi engavetado e agora volta em contexto de acirramento dos ataques ao planeta, que já dá sinais de ”, adverte o líder indígena Crisanto.

Ianukulá Kaiabi Suia, presidente da Associação Terra Indígena Xingu (Atix), reforça que o PL 337 não é um projeto isolado e compõe um pacote “bomba” que se intensifica nesse momento. “É o jogo em andamento. Matar os povos indígenas através das leis. Há 30, 40 anos, falava-se em aculturação à base de força, extermínio físico mesmo. Hoje estamos cada vez mais conscientes de que a dominação por parte do governo se dá por outras estratégias. Procura-se fazer a mesma coisa, mas através desses PLs que estão tramitando faz tempo. Hoje estamos confrontando com o 337”, afirma o presidente da Atix, que representa 16 povos do Xingu.

“No nosso modo de ver, não precisa de muitas explicações para ele ser traduzido. Tem interesses econômicos, quer fazer com que o Estado se livre de várias regras que impõem condições de produção dentro do bioma amazônico. Não quer saber o que o bioma significa para o Estado, para quem vive nele, mas sim como lucrar sobre ele”, afirma Ianukulá.

Crisanto acusa os sulistas, que migraram para Mato Grosso principalmente nas décadas de 1970 e 1980, por essa mentalidade exploratória e colonizadora. “Antes deles, vivíamos em paz, até chegarem esses gafanhotos humanos, que têm a consciência virada para trás, que só pensam em lucro e dinheiro”, critica.

PARLAMENTAR RURALISTA

De fato, o PL 337 tem um DNA sulista. O autor do projeto é o deputado federal Juarez Costa (MDB). Natural de Londrina, atualmente é empresário e político em Sinop, uma das fortes do agronegócio, no norte de Mato Grosso. Para justificar sua propositura, o parlamentar defende que MT é o maior produtor agropecuário de todo o país, gera milhares de empregos e produz toneladas de alimentos, porém precisaria ir além. 

“Mesmo com todo esse esforço produtivo, ainda falta comida na mesa do brasileiro, temos escassez de alimentos, o que torna esses produtos cada vez mais caros. Estamos no limite do potencial produtivo em função de um entendimento errado na legislação ambiental sobre o bioma do território do Mato Grosso”, diz.

Costa afirma que é preciso derrubar regras que considera rígidas demais para fomentar a agropecuária. “O objetivo é aumentar a produção, gerar mais empregos, baratear o preço dos produtos e continuar preservando o meio ambiente, como o estado já vem fazendo”, conta.

A ambientalista Alice Thuault discorda do argumento. “É descabido. Alguns mitos do agro precisam ser colocados às claras e investigados, como o mito de que é preciso produzir mais para matar a , enquanto na verdade a questão da fome é muito mais de acesso aos alimentos do que outra coisa. Vejo um discurso anti-ambientalista muito claro que também está presente na tentativa de aumentar a produtividade em territórios indígenas”, afirma Alice, que é diretora-executiva do Instituto Centro de (ICV) e integrante do coletivo Observa-MT. Para a ambientalista, o PL se insere dentro de um jogo político-eleitoral. “É algo que dá ibope, dá likes, cria um apelo junto às massas, porém, no final, acaba sendo simplesmente uma estratégia dentro de um contexto eleitoral.”

Alice lembra de outras tentativas no Congresso de desmembramento de MT da Amazônia Legal, mas não tão propícias à efetivação e “nenhuma tão perto do gol”. 

PROPOSTA JÁ FOI RECUSADA

Em 2007, no governo Lula (PT) e com Marina Silva (Rede) como ministra de Meio Ambiente, o então senador, hoje já falecido, Jonas Pinheiro (DEM), requereu alteração no Código Florestal para retirar Mato Grosso, Tocantins e Maranhão dos limites da Amazônia Legal. Mas a Organização das Nações Unidas (ONU) trazia o debate sobre o aquecimento global no mundo e houve forte pressão social. O projeto não prosperou.

Em 2011, o agora relator do PL 337, deputado Neri Geller, desengavetou o projeto de Jonas Pinheiro, com modificações, para livrar apenas o raio do paralelo 13 a 16, o que favoreceria os municípios de Lucas do Rio Verde, Sorriso e Sinop, que são as principais referências na produção de soja em Mato Grosso. A ideia também não foi adiante, segundo Geller, porque ele estava na suplência e depois deixou o Congresso.

De volta à Casa, Geller afirma que fará agora uma discussão com a sociedade, sem pressa, incluindo ainda a questão da remuneração do passivo ambiental, ou seja, do “lixo” que o agronegócio produz. 

Herman Oliveira, secretário-executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e (Formad), que articula 30 organizações socioambientais, avalia que essa questão da retirada de Mato Grosso da Amazônia Legal agora volta à pauta “de forma descarada e irresponsável”. Ele se refere a este trecho do PL: “Retirar o estado da Amazônia Legal reduziria essa exigência ao piso de 20%, poupando os produtores mato-grossenses das despesas necessárias à manutenção de até 80% de terras sem uso agropecuário”.  

O presidente da Fepoimt reforça que ganhos econômicos são imediatistas  e podem trazer grandes perdas subsequentes. “Eu ando nesse Mato Grosso de cima abaixo, os rios estão secando, as nascentes sofrendo, vejo os próprios agricultores fazendo cisternas, tirando água do subsolo para poder regar. Até quando vão conseguir plantar, até quando nosso planeta vai aguentar essa agressão em nome do dinheiro e do lucro?”, questiona. “Se desmatarem tudinho, de Suiá Missú até Aripuanã (ou seja toda Amazônia mato-grossense), onde vão buscar água para regar as plantações?”

AQUECIMENTO GLOBAL

Diante da chuva de projetos anti-ambientalista, a cientista Michele Tomoko Sato se mostra aflita. Ela diz se identificar com o personagem do ator Leonardo de Caprio (Randall Mindy), no filme Não Olhe para Cima (de Adam McKay). Na ficção, o cientista tenta, desesperadamente, alertar a para a aproximação de um cometa, com capacidade de destruir a Terra. Na vida real, os “cometas” seriam os PLs anti-ambientais.

Sato é professora e pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e assume a desconfortável missão de expor verdades incômodas. “As pandemias, por exemplo, surgem da agressão à natureza. O agronegócio é responsável por grande liberação de patógenos, tais como os causadores da gripe aviária e uma diversidade de enfermidades. A devastação da Amazônia é uma perspectiva explícita desse desastre”, explica. A pesquisadora lembra que o  agronegócio é responsável pela liberação de gases metano e dióxido de nitrogênio, muito mais danosos que o CO². Por causa da atividade do agronegócio, o é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo. E que a maior parte dos grãos produzidos serve de ração animal, sepultando a desculpa de que ele iria para a mesa das pessoas.

“O ser humano foi moldado a desejar o desenvolvimento e pensar só nele. Esse pensamento antropocêntrico, da natureza estar a serviço da humanidade, gerou uma coisa medonha chamada desenvolvimento, e as pessoas se movem por ele e não querem nem saber do resto. Sendo assim, a Terra vai entrar em colapso, já está entrando, dá sinais de extinção, é uma catástrofe. Mas não se pode entregá-la assim de bandeja. Vamos lutar até o fim. Não podemos perder esperança. Perder a esperança é perder a humanidade”, diz a professora da UFMT. Diante do PL 337, ela formou um grupo que articula um abaixo-assinado. Até o fechamento desta reportagem, contava com mais de 5 mil assinaturas. 

Crisanto Rudzo Tseremey Wa 1

“NÃO VAMOS DESISTIR”

Crisanto, presidente da Fepoimt, conclama o povo indígena a não cair em mais um engano. “Desde a chegada dos portugueses, há 500 anos, os povos indígenas foram enganados com espelho, fogo em cima das águas, depois houve tentativa de nos integralizar à sociedade nacional, a captura de cidadãos indígenas para serem escravos, sempre resistimos. Mas a elite dos coronéis não descansa. Hoje eles se chamam elite da sociedade brasileira agrária, mineradora e tudo mais. Nosso país é rico, nós temos minério, muita terra. Não vamos desistir.”

Ele vê risco maior na tramitação “a todo vapor” de projetos ambientais neste final de governo do presidente Jair Bolsonaro. “Aproveitam-se até da falta de alimentação na Ucrânia, devido à , para justificar a necessidade de aumento de produção do agro. Mas quem alimenta o país é a agricultura familiar, é bom a gente se lembrar disso”, finaliza.

keka1 150x150 1Keka Werneck – Jornalista mineira, formada pela UFJF, atua em Cuiabá (MT) há mais de 20 anos. Esta matéria foi publicada originalmente no site https://amazoniareal.com.br/pl-337/ em março de 2022.

 

 

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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