ÁGUAS EMENDADAS: ECOLOGIA CERRATENSE AMEAÇADA

ÁGUAS EMENDADAS: PÉROLA DA ECOLOGIA CERRATENSE AMEAÇADA

Águas Emendadas: pérola da cerratense ameaçada 

A menos de uma hora de Brasília, pouco mais de 50 km depois do Plano Piloto, próxima à cidade de Planaltina-DF, encontra-se uma pérola da ecologia cerratense cuja existência é desconhecida por grande parte dos moradores do Distrito Federal. Trata-se da Estação Ecológica de Águas Emendadas, uma Unidade de Conservação (UC) de 10.547 hectares, onde ocorre um fenômeno raramente encontrado na natureza: de um mesmo acidente geográfico nascem dois córregos que fluem em direções opostas, margeando uma vereda de seis quilômetros de extensão.

Por Eduardo Pereira

De um lado da vereda a água corre em direção sul até se encontrar, ainda dentro da UC, com a lagoa Mestre D’Armas, o maior lago natural de Brasília, e daí seguindo pelos rios Corumbá e Paraná, até chegar à Bacia Platina. Ao norte, as águas nascidas aqui no Cerrado do Distrito Federal rompem terras até a bacia do Tocantins-Araguaia, de onde partem para o encontro com o Rio .

A Estação é essencial na rede de recursos hídricos do país. Daqui do Planalto Central, as águas emendadas de Brasília contribuem para fortalecer as bacias Amazônica e do Prata. Nossas vias fluviais são interconectadas e mutuamente dependentes, ou seja, o que acontece em um lugar agrava consequências em outro. O que acontece na nossa (relativamente) pequena Unidade de Conservação do Distrito Federal repercute em toda a .

E como, segundo Muna Youssef, técnica ambiental da Estação, “Não dá para falar de água sem falar de árvores”, a Estação Ecológica de Águas Emendadas ensina que para preservar a água, nossa principal riqueza, precisamos proteger o Cerrado, as plantas, os animais e tudo o que estiver à sua volta.

SANTUÁRIO DA CIÊNCIA E DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Vista do alto, a Estação, administrada pelo Instituto Ambiental de Brasília (IBRAM), é um lindo e majestoso tapete verde, ilhado por um mar de monocultura e asfalto. A estação de Águas Emendadas é cercada por fazendas, chácaras, assentamentos e por espaço urbano.

A UC também é cortada pela rodovia BR-020, que liga Goiás à Bahia. Essa pressão antrópica impacta a Estação, que vem sendo invadida por gente e pelo gado, pela caça predatória e pelo uso de .

A Estação é assim denominada, diferente de Reserva, por se tratar de uma Unidade de Conservação reservada para a educação ambiental e para os estudos científicos, portanto fechada para o turismo. Além de pesquisas acadêmicas, na Estação são desenvolvidas atividades de educação ambiental junto às escolas municipais de Planaltina, e também com moradores/as da região.

A Estação é um espaço ímpar onde abunda a biodiversidade do Cerrado. Nela existe uma grande variedade de espécies da flora e da cerratenses. Nela vivem animais como o Lobo-Guará, a Capivara e o Teiú-Vermelho.

Hoje, a Estação Ecológica de Águas Emendadas, uma das últimas áreas contínuas de Cerrado preservadas na região, é considerada por e ambientalistas como um dos últimos refúgios para muitos animais ameaçados de extinção.

ÁGUAS EMENDADAS: ECOLOGIA CERRATENSE AMEAÇADA
Estação Ecológica de Águas Emendadas – Foto: Adeilton Oliveira

BIODIVERSIDADE AMEAÇADA

O Cerrado é o único bioma brasileiro que não recebe a denominação de patrimônio nacional, mesmo ocupando um terço do território do país e só perdendo para a em termos de biodiversidade. Nos últimos 50 anos, após décadas de agrícola e pecuária, o Cerrado já perdeu, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, mais de 40% da sua cobertura vegetal.

Em 1968, a região de Águas Emendadas tornou-se a primeira reserva biológica legal do País e a primeira unidade de conservação baseada no então novo código florestal. Tamanha a importância da região, que foi designada pela Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura (Unesco) como Área Nuclear de Proteção ao Cerrado.

De fato, a importância da região de Águas Emendadas foi reconhecida desde 1892, quando foi demarcada pelo astrônomo belga Luís Cruls, responsável pela Comissão Exploradora do , uma das primeiras expedições para identificar o local onde seria construída, na segunda metade do Século XX, a nova capital do país.

Não obstante, o fato de não existirem corredores ecológicos ligando a Estação a outras áreas preservadas ameaça a na UC.

Para Muna Youssef, técnica ambiental da Estação, “há uma tendência de empobrecimento genético das espécies, uma vez que não conseguem se reproduzir com parceiros de outras regiões, o que aumenta o cruzamento consanguíneo”.

Ainda segundo Muna, a solução para esse problema precisa ser multifacetada. “O Distrito Federal vemos que tem três ilhas de Cerrado: a região do Jardim Botânico, a Reserva Nacional de Brasília e a Estação das Águas Emendadas. Entre elas não existe conexão, não há corredores de fauna.

As reservas teriam que contar com uma dimensão maior [para a proteção e preservação da fauna]. E o DF precisaria ter mais ter mais reservas, que se interligassem, para garantir os corredores de fauna.”

Uma coisa fica clara: O Cerrado é patrimônio, sim, e requer maior atenção e cuidado por parte não somente das instâncias de poder público, mas também de todos nós, para que suas riquezas naturais, tão importantes para o Brasil, possam ser preservadas.

Sem isso, não haverá santuário ambiental que resista aos danos irreversíveis da ação antrópica. Sem isso, pérolas como a Estação Ecológica de Águas Emendadas podem ser perdidas para sempre.

aguas emendadas foto adeilton oliveira
Nascentes de Águas Emendadas abastecem bacias hidrográficas de todo o país, como a Tocantins-Araguaia – Foto: Adeilton Oliveira

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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