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Krenak lança “Ideias para ‘adiar o fim do mundo”

Krenak: Ideias de um pensador para ‘adiar o fim do mundo’

Livro recém-lançado por Ailton Krenak enaltece indígena e prega humanidade mais diversa como antídoto para o planeta

(…) caiu nas minhas mãos um livro do tamanho de um estojo de primeiros socorros: “Ideias para adiar o fim do mundo”, do jornalista e líder indígena Ailton Krenak.
Adaptação de duas palestras e uma entrevista realizadas em Portugal entre 2017 e 2019, a publicação recém-lançada pela Companhia das Letras tem 72 páginas preenchidas com a lucidez do ambientalista descendente do povo Krenak, que vive no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais.
O autor tem lugar de fala para se referir ao fim do mundo. Há décadas luta contra a pressão econômica sobre reservas no país. Em 1987, foi o representante dos povos nativos do Brasil para falar à Assembleia Constituinte, no renascimento da República. Dirigiu-se aos deputados com o rosto pintado de tinta preta de jenipapo.
Em 2015, sua etnia viu o mundo como conhecia acabar quando se rompeu a barragem de rejeitos da Samarco, em Mariana, matando o Rio Doce. A própria existência dos krenaks dependia do Rio Doce, que eles chamam de Watu (“avô”). Hoje, os do vale sobrevivem às custas de verba de assistência, caminhões-pipa e entrega de alimentos.

“Tem quinhentos anos que os índios estão resistindo, eu estou preocupado é com os brancos, como que vão fazer para escapar dessa”, escreve Krenak.

“O que aprendi ao longo dessas décadas é que todos precisam despertar, porque, se durante um éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados de ruptura ou da extinção dos sentidos das nossas vidas, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar nossa demanda”.

Ao longo de seu discurso, o autor usa tom didático para expor nacos do saber indígena, construindo pontes entre as nossas culturas, mas sem jamais igualar uma à outra. A ideia de humanidade, escreve ele, deveria dizer respeito à coexistência das diversas narrativas. “Precisamos ser críticos a essa ideia plasmada de humanidade homogênea na qual há muito tempo o consumo tomou o lugar daquilo que antes era “.

O autor reprova o conceito convencional de humanidade, “forjado pelo europeu”, que segundo ele não engloba caiçaras, índios, e outros povos que, por viverem “agarrados” à terra, são relegados a uma “sub-humanidade”. Essa noção limitada de homo sapiens não permitiria compreender, por exemplo, diversas comunidades indígenas que conferem características humanas a elementos como pedras, rios e montanhas.

Os krenak, descreve o ativista, conversam com uma montanha que fica perto de sua aldeia. É ela que diz se um dia vai ser bom, próspero, “ou se é melhor ficar quieto”. Entretanto, quando um morador da aldeia afirma que aquele rio é sagrado ou que aquela montanha fala, as pessoas desdenham dizendo que “isso é deles”. “Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista”.

Em entrevista ao GLOBO , o líder ianomami Davi Kopenawa esclareceu que os membros da sua etnia não querem explorar minério em suas terras, como vem sendo proposto pelo governo. Da mesma forma, Krenak rejeita a noção de que os desejam se integrar ao resto da sociedade ocidental. “A ideia de nós, humanos, nos descolarmos da terra, vivendo uma abstração civilizatória, é absurda. Suprime a diversidade, nega a pluralidade de existência e de hábitos.

Oferece o mesmo cardápio, o mesmo figurino, se possível a mesma língua para todo mundo”. E, também como Kopenawa, o autor denuncia a invasão de terras ianomamis, no Norte do país. “Esse território está assolado pelo garimpo, ameaçado pela mineração, pelas corporações que não toleram esse tipo de cosmos, o tipo de capacidade imaginativa e de existência que um povo originário como os Yanomami é capaz de produzir”.

De acordo com Krenak, famílias indígenas de diferentes regiões do Brasil estão vivendo uma escalada de tensão nas relações com o Estado. Uma tensão que não é de agora, mas que “se agravou com as recentes mudanças políticas introduzidas na vida do povo brasileiro”.

Conheci Krenak em dezembro de 2017, quando o encontrei para uma entrevista , no Rio. Foi uma tortura editar aquela conversa para encaixá-la no espaço delimitado no jornal. Enquanto lia “Ideias para adiar o fim do mundo”, comecei a fazer um índice remissivo para, depois, reproduzir trechos interessantes e que ajudam a gente a refletir sobre para onde estamos indo como humanidade.

Quando me dei conta, estava assinalando pedaços de todas as páginas. Teria que transcrever o livro quase todo. A obra se vale da oralidade com que os povos da floresta passam suas tradições de geração em geração para transmitir, em bom português, o que Krenak descreve como uma provocação: “Adiar o fim do mundo é sempre poder contar mais uma história”.

(…) Em seu livro, Krenak cita pensadores como José Mujica e Boaventura de Sousa Santos para refletir sobre o papel de cada um de nós nesse drama que vivemos. Ele leva em conta que o mundo atual é resultado de um processo de trezentos anos, mas, ao mesmo tempo, questiona: “Qual é o mundo que vocês estão agora empacotando para deixar às gerações futuras? Há algo de insano quando nos reunimos para repudiar esse mundo que recebemos agorinha, no pacote encomendado pelos nossos antecessores; há algo de pirraça nossa sugerindo que, se fosse a gente, teríamos feito muito melhor”.

Fonte: O Globo – Com edição Xapuri


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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