Angela Davis: Mensageira da esperança

Angela Davis: Mensageira da esperança

Do alto de seus 75 anos, Angela Davis, uma das maiores referências da luta antirracista no mundo, é dessas mulheres que interconectam movimentos, e causas…

Por Iêda Leal

“Não acredito que seja saudável escolher uma luta e dizer que é mais importante do que outra, mas sim, reconhecer como as diferentes lutas se conectam, com já preconizava a feminista brasileira Lélia Gonzalez (1935-1984), com seu pioneiro conceito sobre a interseccionalidade da luta antirracista no Brasil,” afirmou Angela Davis durante sua passagem por na terceira semana de outubro último.

Cada vez mais próxima do movimento negro brasileiro, Davis recebeu, em encontro fechado, militantes da Coalizão Negra por Direitos para, segundo mensagem postada no Instagram de Angela Guimarães, “dialogar sobre os desafios enfrentados por negros e negras da diáspora neste contexto de recrudescimento do num ambiente de ascensão da extrema direita nos EUA e no Brasil.” Ou, nas palavras de Douglas Belchior, “fortalecer mais uma aliança internacional na construção da Coalizão Negra por Direitos.

Em um encontro de trabalho com mais de 30 lideranças de várias entidades e várias gerações, na sede do Geledés – Instituto da Mulher Negra –, Angela apontou a similaridade da luta nos dois continentes: “Na tática, a Coalizão é bem parecido com o Black Lives Matter”, movimento norte-americano contra a violência que atinge os negros.

Durante o encontro, tive o prazer e a emoção de entregar à Angela Davis a Carta das Mil Mulheres, do Movimento Negro Unificado, e um exemplar da . E, junto com as demais lideranças da Coalizão, recebemos dela a generosa oferta de seguir trabalhando conosco para pensar o “movimento da diáspora contra o racismo” e levar para fora do Brasil nosso protesto contra a exploração pelos norte-americanos da base espacial de Alcântara, território onde vivem 800 famílias, no do .

Em palestra gratuita realizada no Parque do Ibirapuera, a militante Angela afirmou: “Continuo me impressionando e sentindo muita esperança sempre que venho ao Brasil. Sinto um impulso coletivo aqui, principalmente entre os jovens, entre as jovens mulheres negras”. Emocionada com a capacidade de resistência das mulheres negras brasileiras, Ms. Davis fez questão de visitar o acampamento das mulheres do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), onde conheceu a militante recém-libertada Preta Ferreira.

Em conversa com jornalistas durante uma conferência de imprensa, falou sobre o avanço da eleição da deputada estadual Erica Malunguinho (PSol-SP):  “Eu acho que nenhum outro país já elegeu uma mulher negra e trans como deputada oficialmente. Eu fiquei muito comovida ao ouvir sobre o trabalho que ela tem feito (…). Aqueles de nós que vêm trabalhando contra a violência do Estado, a violência policial, a violência carcerária, temos que reconhecer que as mulheres negras trans são os alvos mais consistentes de violência”.

No Rio de Janeiro, Ms. Davis, como é carinhosamente chamada, encontrou-se com a escritora , de 73 anos, sua contemporânea. Evaristo lhe contou sobre como uma foto dela, Angela, colada em uma parede na favela, a fez aderir ao cabelo Black Power nos anos 1970. E falou-lhe também sobre a luta das mulheres negras brasileiras que, nos anos 1930, se organizaram em mutirão para não serem excluídas do trabalho na lavoura em Minas Gerais.

Angela, por sua vez, celebrou a troca entre gerações e o surgimento de novos movimentos como o Black Lives Matter e o Me Too. “Essa é realmente uma época maravilhosa para ser jovem, porque os jovens estão assistindo ao desmoronamento de uma série de regras estabelecidas ao longo do tempo para governar, controlar o comportamento humano”, pregou. “Ao mesmo tempo, é uma época maravilhosa para ser velha, porque percebemos que o trabalho desenvolvido ao longo de tantas décadas faz diferença. A intergeracionalidade dá significado à longevidade.”

Também no Rio, Davis evocou a luta de , assassinada em 14 de março de 2018: “Muitas das minhas camaradas tombaram durante a luta. Acredito que seja minha responsabilidade testemunhar em homenagem a quem não estão mais entre nós. E afirmar que, se permanecermos na luta, eventualmente, alcançaremos a vitória.”

Agora que outubro passou, que Angela Davis voltou para a sua Califórnia, onde segue sendo professora universitária, e a nós aqui no Brasil cabe a responsabilidade de celebrar Zumbi dos Palmares no 20 de novembro, seguimos na resistência com a força da esperança de Ms. Davis, registrada pela jornalista Isabela Reis nas redes sociais: “Podemos errar e, tudo bem, mais importante é organizar a nossa esperança”.

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ieda111Iêda Leal – Tesoureira do . Secretária de Combate ao Racismo da CNTE. Vice-presidenta da CUT-GO. Coordenadora Nacional do MNU. Artigo enviado em 25 de julho de 2019 desde a Tailândia, onde participou do Congresso Mundial de Educação.

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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