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Anielle e Sônia: Toma posse a Decolonização do Brasil

Anielle e Sônia: Toma posse a Decolonização do Brasil

Por Marconi L. Burum

Dia 11 de janeiro de 2023. Certamente simbólico. Certamente concreto. Certamente o dia mais importante ao começo da , desde 22 de abril de 1500, quando tiveram a chance os portugueses de dar marcha ré nas caravelas e deixarem (em paz) o “brasil”, então apenas a terra de Pindorama (nome que davam os a este território), ou, se queriam aqui pedir aos povos originários a chance de compartilharem um pedaço de terra para (bem)viver e desfrutar, então terem seguido por outra cosmo-civilização, uma de solidariedade, de partilha, de harmonia e de – real – liberdade para absolutamente todas e todos os sujeitos.

No dia 11 tivemos a posse de uma institucionalização (finalmente) decolonial, isto é, de um ministério (aliás, dois) voltado(s) para a decolonização do Brasil, começado enquanto Estado, da forma mais equivocada e continuada em toda a sua potência máxima da crueza, feita escopo-síntese em dois marcos: a expropriação das (propriedade de paradigma 1); e a exploração da força de trabalho de escravizados negros (propriedade de paradigma 2).

Trata-se, portanto, da posse da Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, nesta Pasta que pretende reconfigurar a pauta da emancipação dos sujeitos indígenas, da demarcação e conservação da plena e integral em seus territórios (que tanto servem a nós, humanos todos), e da reparação histórica frente a todas as crueldades impetradas, sejam nos corpos e almas, seja na cultura e na dos povos indígenas do Brasil.

Trata-se também da posse da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, neste Órgão de Estado que tem como evento finalístico prover as políticas públicas, estruturantes e cognitivas a servir o negro, favelizado, quilombola e periférico do Brasil. Povo que descende de milhões de pessoas sequestradas do continente africano para serem escravizadas no Brasil. Pessoas que, uma vez desterritorializadas, ou tiveram seus corpos e cosmologias jogadas no Oceano Atlântico (isto é, assassinadas antes mesmo de chegar em Pindorama), ou mortificadas pela crueza do serviço forçado nas lavouras, pelas chicotadas nos pelourinhos afora e pelas noites sem dormir nas milhares senzalas.

Ainda perdura a semântica da exploração e da expropriação. O paradigma 1, dimensão de propriedade liberal mercantilista/capitalista, clássica ou moderna, faz evento a que seja a terra, os bens e posses, o conteúdo material o que torna certos sujeitos seres de poder, soberania (questionável), liberdade, força e emancipação. O paradigma 2, dimensão da propriedade escravista, coisifica o corpo negro para que, uma vez objetificado, fossilizado vivo, seja produto de compra e venda, de “manutenção” (face os castigos como correção e domesticação dos sujeitos) e, sobretudo, de instrumentalização ao trabalho braçal na mais sistemática crueldade de um homem a outro homem, de um Estado ao sujeito-gente (afinal, as leis positivadas discursam a oficialidade e a cultura elitista dessa coisificação).

Ambos os paradigmas presentes na mentalidade do povo brasileiro. Rico e pobre; empresário e trabalhador; homem e mulher, todos nós (quase todos) ainda somos, seja no lado do dominador/opressor, ou no lado do dominado/oprimido, sucumbidos enquanto civilização por nossa cultura colonial que chancela essa dimensão de poder e espoliação, de autorizada para que o sistema, o Estado, as instituições e a em geral. Isto é, não há justiça, não há equidade, não há igualdade (nem na simetria dos desiguais) neste Brasil. E não haverá enquanto, na melhor analogia, não compreendermos que – parafraseando o nos ensina Paulo Freire – o oprimido se engravida do opressor e precisa tirar esse “bicho” de dentro de si, reconhecer-se como sujeito de classe e sujeito decolonizado (que repudia e mobiliza contra o patriarcado, o racismo, o neoescravismo – das uberizações do trabalho –, os preconceitos de toda ordem e intersecções, evento este que não é apenas conceitual, todavia, estrutural e infraestrutural do Estado e do devir social).

Em síntese, os ministérios que hoje recebem estas mulheres de luta para chefiá-los, precisa caminhar, ao lado de uma agenda programática, de projetos de empoderamento de identidades, de políticas para a emancipação dos sujeitos, negras e negros, indígenas e outros “diferentes” dos sujeitos hegemônicos (proprietários), também na produção de semiologias e pedagogias com vistas ao alcance daquilo que chamo por consciência decolonial, cuja ponta outra, a consciência de classe (em Marx), permitem uma nova cognição social a reivindicarmos (e conquistarmos) de uma vez por todas a outra estética civilizatória capaz de acolher a diversidade dos sujeitos coletivos de direitos, dos espoliados e vulnerabilizados, particularmente, os povos indígenas e afro-brasileiros a prover de uma vez por todas o acervo de direitos e de liberdade e de vida plena a todas e todos os brasileiros.

O dia 11 de janeiro de 2023 é diametralmente antagônico ao dia 22 de abril de 1500. Lá, institucionaliza-se a colonização histórica, deplorável, continuada (veladamente); aqui institucionaliza-se a decolonização para outra tão necessária à esmagadora maioria do povo brasileiro e a nossos originários…

decolonial 2

P.S. Este texto é uma à Guajajara, à Franco, ao Lula e a todos e todas que estão na luta desde 1500 por um outro Brasil; os que tombaram no Atlântico ou na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro; os que vivem em riste, a servir a causa da justiça e da equidade…

Mas é também um manifesto, melhor dizendo: uma carta para Suas Excelências, as ministras, Sônia e Anielle, pedindo a elas: por favor, implementem em suas pastas uma política decolonial, ou um centralismo decolonizante em todas as agendas e caminhares destes ministérios de que são gestoras protagonistas de um novo marco histórico-brasileiro.

Marconi L. Burum –  Escritor. Cronista. Professor Universitário.  Imagem de capa: Ricardo Stuckert. Imagem interna: Band. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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