Duas coisas vêm à memória quando se fala do Cruzeiro, um dos bairros mais antigos de Brasília: música, afinal ali está a ARUC-DF – Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro, uma das mais premiadas escolas de samba da Capital Federal, e arte, mais precisamente “Arte nas Paradas”, engajado projeto social da designer e artesã Vivi Dourado.
Nascida ali mesmo no Cruzeiro, e inspirada pelo pai baiano, que era visionário, a irrequieta Vivi tomou pra si a tarefa de fazer do seu lugar um espaço mais leve e mais bonito. Começou pelas paradas de ônibus, onde transitam os mais pobres, onde dormem os sem-teto. Nelas, Vivi pinta cenas cotidianas de seu próprio entorno, como a de cadeirante cego guiado por um cão, ou a de crianças de mãos dadas com um idoso, mostrando sempre o lado bonito da vida em comunidade.
“Querer, eu queria mesmo é que o transporte urbano não demorasse tanto, nem que houvesse gente dormindo nas paradas do Cruzeiro, mas, enquanto essa realidade não muda, eu vou, com minha arte, levando um pouco de conforto para as pessoas que andam por aqui”, diz Vivi, enquanto mostra fotos na parede de trabalhos já realizados, incluindo as quatro paradas viradas para a Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA) com a iconografia de Brasília, e a pintura do Mapa da Quadra, que é tombada pelo Patrimônio Histórico, na parada da 508 Sul.
Devagar, porque na caminhada a moça vai criando laços com seu povo, os painéis de Vivi vão se espalhando pela cidade. Só no Cruzeiro, são 18. Um dos mais bonitos, segundo ela mesma, é o painel que Vivi fez na Entrequadra 206/207, juntando em um só painel várias de suas paixões: a ponte JK, um ipê florido, uma bicicleta e dois corações, em homenagem ao tio ciclista, Claudio Souza, falecido próximo ao local, atropelado por um carro.
O trabalho, organizado quase sempre para as manhãs de domingo, é 100% voluntário, feito com tintas doadas pelo comércio local, com o apoio da Administração local, que deixa a parada limpa, e a ajuda de gente que a artista vai mobilizando na prosa pessoal, ou via redes sociais, para a “próxima parada”. A cada intervenção, aparecem cerca de 20 a 30 pessoas, algumas delas com comida, sucos e refrigerante para a confraternização coletiva, “o que torna o trabalho mais alegre e festivo,” diz Vivi.
Mas não só de fazer “arte nas paradas” vive a militante social do Cruzeiro. Entre um projeto e outro, Vivi ensina moradores do famigerado Buraco do Rato, ponto de encontro dos “sem nada” no Setor Comercial Sul (SCS) de Brasília, a produzir arte.
Ali, muitos deles, a maioria homens, recuperam parcos momentos de esperança fazendo flores de ipê nos galhos secos que encontram pelas ruas. “Eles mesmos coletam os materiais recicláveis, eu só ensino as técnicas”, conta Vivi emocionada, mostrando fotos dos “alunos” que ela disputa com as drogas e com o tráfico em um dos locais mais vulneráveis na parte central da Capital do País.
Para financiar boa parte da própria militância, Vivi se vira nessa vida. Junto com o sócio e namorado, o músico Felippe Rodrigues, também do Cruzeiro, organiza bingos, galinhadas, forrós. E produz e vende arte, muita arte impressa em um belo mix de suvenires com temas que vão das flores do Cerrado às figuras do Cangaço, às mulheres que admira, como a revolucionária Frida Khalo.
Os produtos de seu talento criativo, que se espraia por peças minúsculas, como tampas de garrafa que se reciclam em imãs de geladeira, a pintura em caixas de fósforo, canecas, almofadas, bonecas e porta- trecos diversos, é vendido em casa, em feiras, em redes sociais, e agora também pela Loja Solidária da Xapuri: www.xapuriinfo.dream.press/loja-solidária. Tendo um tempinho, faça uma visita e, gostando, leve com você um pouco da energia feliz e positiva dessa grande artista- ilitante das causas sociais de Brasília, que atende pelo singelo nome de Vivi Dourado.
Zezé Weiss
Jornalista
Socioambiental
@zezeweiss