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"AS ESTRELAS EU PENSAVA QUE ERAM FILHOTES DA LUA"

“AS ESTRELAS EU PENSAVA QUE ERAM FILHOTES DA LUA”

“As estrelas eu pensava que eram filhotes da lua”

Por Matari Kayabi

Antigamente, eu pensava que o sol era a luz do homem branco.

Quando escurecia, eu pensava que os brancos apagavam a luz.

A chuva, eu pensava que era gente que jogava água do céu para regar a terra.

A trovoada, eu pensava que era gente que batia tambor.

O vento, eu pensava que a terra corria.

A nuvem preta, eu pensava que era o fim do mundo.

AS estrelas, eu pensava que eram filhotes da lua.

O sol, eu pensava que era o marido da lua.

E para mim as estrelas eram filhotes da lua e do sol.

A terra, eu pensava que tinha um ferro muito grande para se firmar.

Eu pensava que o céu foi feito como a casa.

Eu pensava que a grama e o mato eram cabelos da terra.

Eu pensava que a nuvem era fumaça.

Eu pensava que os animais é que plantavam as frutas do mato.

O mundo para mim era só o Brasil, e a cidade de Brasília.

Eu pensava que não existiam outros países e outras cidades.

Eu pensava que os brancos eram menos pessoas do que os índios.

Eu pensava que a vida não tinha fim.

Eu pensava que não existia doença.

Eu pensava que ninguém ficava velho.

Eu pensava que quando ficava velho, voltava a ser novo.

Eu pensava que todo branco e índio eram todos uma só nação.

 Matari Kayabi em “Geografia Indígena” – MEC/SEF-ISA, 1988.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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