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AS GARRAS AFIADAS DA TERCEIRIZAÇÃO

AS GARRAS AFIADAS DA TERCEIRIZAÇÃO

As garras afiadas da terceirização

Sobre os direitos do trabalhador brasileiro

 “A solidariedade é o sentimento de respeito pela dignidade humana” – Kafka

Por Jacy Afonso de Melo

Ao realizar minhas caminhadas, que chamo de socráticas, porque são momentos de perguntas e busca de respostas, pelas superquadras de Brasília, uma cena que se repete embaixo dos pilotis são trabalhadores e trabalhadoras da limpeza urbana, que iniciaram seu turno de madrugada, tomando seu café da manhã.

Em geral, estão em uma marmita cuscuz e ovo frito, acompanhados de um copo d’água dado por outro trabalhador da limpeza do mesmo prédio onde se encontram. O que existe de comum entre eles, além da solidariedade, é a terceirização de seus serviços.

Ao dar-lhes bom dia, provoco uma reação de surpresa, pois em geral são ignorados, visto que, partes da paisagem, não são percebidos como gente que trabalha para manter nossa cidade limpa dos entulhos que mal-educadamente jogamos nas ruas.

Converso com essas pessoas que me contam sobre suas condições de trabalho, seus salários minguados, e os atrasos no recebimento de 13º e férias. Estas últimas, quando existem, porque a rotatividade nem sempre os deixa completarem um ano na mesma empresa.

Ao perceber a tosse que acomete alguns deles, pergunto a razão. Falam então do frio que enfrentam nas madrugadas, dos malcheirosos resíduos que recolhem, da poeira. Outros deles mostram arranhões, cortes em pés e mãos provocados por galhos, cacos de vidro e pelos próprios instrumentos de trabalho, em geral velhos e enferrujados.

Deixo-os continuarem seu trabalho. Lembro, com sentimento de tristeza e revolta, da aprovação pela Câmara dos Deputados do PL 4330/04 na véspera do 1º de Maio, Dia do Trabalhador brasileiro.

Ao nos dar esse presente de grego, a maioria dos deputados vira as costas aos que os elegeram. Sim, porque sem o voto de trabalhadoras e trabalhadores essas pessoas não estariam ocupando assentos no Congresso Nacional.

Aliás, ao cruzar os nomes dos “representantes do povo” que votaram a favor da terceirização com os que tiveram suas campanhas eleitorais financiadas por empresas que mantêm trabalho escravo a coincidência é visível. Coincidência? Claro que não, pois pesquisas do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp apontam que 90% dos trabalhadores resgatados do trabalho escravo no Brasil eram terceirizados.

Os depoimentos das trabalhadoras e dos trabalhadores terceirizados, incluídos aqueles que servem café e fazem a limpeza da Câmara e do Senado, tecem um fio de desconstrução da identidade de classe; não se sentem trabalhadores como seus companheiros concursados ou contratados diretamente pelo órgão empregador.

A terceirização de atividades com finalidade pública causa estragos incalculáveis. Empresas como as de água e energia, que eram públicas, passaram a vender ações a entes privados, abrindo espaço para que os acionistas contratem terceirizados, provocando intensa rotatividade de profissionais especializados.

Na educação, os efeitos da terceirização são sentidos há algum tempo. À medida que serviços como segurança, limpeza e alimentação passaram a ser realizados por terceiros, as preocupações aumentaram, pois educar é papel de todos que fazem parte do ambiente escolar.

Pergunta-se, então: com a possibilidade de terceirizar todos os setores, os professores e professoras também serão substituídos sempre que for do interesse das empresas?

Em outras áreas, a preocupação não é menor. O modelo de sociedade em que estamos inseridos é organizado para fazer girar a engrenagem da economia e do lucro, passando por cima das pessoas. No caso, mais terceirização reduz o poder aquisitivo de quem trabalha, desfaz as categorias profissionais e enfraquece os sindicatos. Como lá no começo.

Avalia-se que as consequências trabalhistas e sociais atingirão toda a população. Além do nivelamento salarial por baixo, vêm a desvalorização da força de trabalho, a ampliação da produtividade com a redução de custos, a violação do princípio constitucional da igualdade e dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de “construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

A LUTA CONTINUA

Aprovado na Câmara, o PL 4330/04 segue para o Senado, a quem cabe “revisar” o texto. Cabe ao presidente da Casa colocar a matéria na pauta ou retardar sua apreciação. Se incluída na pauta, abrem-se os debates, apresentam-se as emendas, vota-se em Plenário. Em tese, tudo pode ser mudado. É possível, sim, fazer alterações substanciais, que diminuam o prejuízo que se anuncia para a classe trabalhadora.

Para isso, é preciso permanecer alerta. É necessário que todos os trabalhadores e trabalhadoras compreendam os riscos que o projeto representa. Sob o pretexto de regularizar a situação dos terceirizados – que é necessária – construiu-se um monstro de garras afiadas, pronto para saciar sua fome com o sacrifício dos trabalhadores.

Publicação original: 13/05/2015

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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