AS SEM PÁTRIA

AS SEM PÁTRIA

O que é um país? Uma pátria, uma nação? O que é uma fronteira?

Por Kate Schatz

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Fronteira entre México e Estados Unidos após passar pelo Rio Braco, em El Paso, Texas. Foto: JOSE LUIS GONZALEZ / REUTERS

É um rio, um mar, uma linha em um mapa? Um em cada 122 humanos na Terra é refugiado expatriado ou está em busca de asilo.

O que quer dizer ser de um lugar? Ou ser estrangeiro?

Pertencer, não pertencer. pátria

Você nasce onde nasce Floresta ou deserto, montanha ou litoral.

Uma casa, uma cabana, uma barraca. Um abrigo. Um campo de refugiados

Um em cada 122 humanos não tem um lugar.

De onde você vem? pátria

De que grupo, de que povo?

Quem segura você lá? A boca de quem fala sua língua?pátria

Como eu cheguei aqui? Como você chegou aí?

Das 60 milhões de pessoas expatriadas à força no mundo, quase 80 por cento são mulheres e crianças. Elas deixam suas casas, cidades e países por causa de guerra, violência, discriminação, fome, catástrofes ambientais.

Imigrante. Refugiado Migrante. Sem-teto. Sem pátria. Sem Estado. Humano.

Essas pessoas fugiram do Leste Europeu, do Norte da África, do Oriente Médio, do Sudão do Sul, da América Central.

Por cima de cercas, por subterrâneos. Enfrentando soldados, polícias, milícias. Contrabandistas, traficantes, patrulhas de fronteira. Procurando segurança, comida, educação. Asilo, aceitação, cidadania.

Fugindo de Myanmar, da Síria, do Afeganistão, da Eritreia. Do México, da Somália, da Turquia, da Ucrânia. Da Guatemala, do Iraque.

Um mundo sem guerra, uma noite sem bombas, uma escola sem armas, um dia sem gangues. Uma chance. Um lar. Uma vida.

Elas se despedem de amigos, de familiares, de escolas e de empregos e partem na esperança de que, em algum lugar, de alguma forma, consigam encontrar um novo lugar. Às vezes, partem com as famílias inteiras, às vezes, maridos e pais morreram na guerra, em brigas.

Milhões de mães andam no escuro frio, com bebês nas costas e crianças nos braços.

Elas as acalmam em barcos enquanto atravessam mares negros, cantam cantigas de ninar em barracas em acampamentos perigosos.

Elas fogem grávidas, dão à luz na estrada, aninham novas esperanças. Elas seguem em frente.

Vão recusá-la? Tem lugar na terra? Nos nossos corações?

Forçadas para fora da Irlanda, do Congo, da Alemanha, de Cuba. Têm que sair da Palestina, da Sérvia, do Vietnã, do Camboja.

Elas passam bebés por cima de cercas, dão nas mãos de outras pessoas.

Mandam filhas por desertos, para longe de guerras nas quais nasceram.

Atravessam desertos e oceanos para terras novas.

E, às vezes, elas chegam a estações de trem e a aeroportos, onde multidões ansiosas com sapatos e casacos as esperam.

Refeições e brinquedos, fraldas e livros, cartazes que dizem

“Bem-vindos/as” em línguas desconhecidas.

Salas de aulas e livros, a chance de sonhar, de ter um futuro.

O que quer dizer ajudar, aceitar? Ser amigo, vizinho, irmã?

Nenhum ser humano é ilegal.

Quem pertence? Quem ajuda? Nós.

AS SEM PÁTRIAKate Schatz – Escritora. Em Mulheres incríveis: artistas e atletas, piratas e punks, militantes e outras revolucionárias que moldaram a história do mundo. Editora Alto Astral, 2017.

Capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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