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"ATEARAM FOGO EM ALGUÉM, DIZENDO NÃO SER NINGUÉM"

“ATEARAM FOGO EM ALGUÉM, DIZENDO NÃO SER NINGUÉM”

“Atearam fogo em alguém, dizendo ser um João Ninguém, dizendo não ser ninguém” 

Era o começo  de uma manhã de domingo, 20 de abril de 1997, quando, por volta das 5h30  da madrugada, quando, voltando de uma balada, cinco jovens de classe média alta da cidade –  Max Rogério Alves (19 anos), Eron Clóvis Oliveira (18 anos), Antônio Novely Cardoso Vilanova (19 anos), Thomas Oliveira de Almeida (19) e Gutemberg Nader de Almeida (então com 16 anos) jogaram um produto inflamável e em seguida atearam no de Galdino Jesus dos Santos, cacique do Pataxó Hã-Hã-Hãe, da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu, em um ponto  de ônibus em Brasília.

Por

O fogo, ateado “só por brincadeira, para dar um susto, para que ele se levantasse do banco de cimento onde dormia e corresse atrás deles”,  segundo declarações dos próprios meliantes que, depois de terem visto ”um mendigo” dormindo, foram a um posto de gasolina comprar o álcool e o fósforo para o crime, queimou 95% do corpo de Galdino.

O líder Pataxó morreu um dia depois, aos 44 anos de idade, com o diagnóstico de insuficiência renal, provocada  pelas desidratação de seu corpo. 

Galdino havia chegado à capital federal no dia anterior, 19 de abril – Dia do Índio – para, junto com uma delegação de outros oito líderes indígenas Pataxó do sul da Bahia, fortalecer a luta pela da Terra Indígena Pataxó, uma desigual contra invasores e fazendeiros que, em 1986, já tinha matado um de seus 11 irmãos.

Sua jornada de luta foi encerrada no dia 22 de abril  de 1997, no  Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) em Brasília.

Cansado, depois de um longo dia de manifestações e de uma agenda de reuniões com representantes da FUNAI (Fundação  Nacional do Índio), Galdino se perdeu do grupo e, por não conseguir chegar  à pensão onde estava hospedado antes das  22 horas, último horário permitido para a entrada, resolveu esperar o dia amanhecer deitado no banco de concreto de uma parada de ônibus da Asa Sul, área central de Brasília.

O crime só não ficou impune porque um chaveiro que chegava perto do local para mais um dia de , presenciou a tragédia e anotou a placa do carro dos fugitivos e acionou a polícia, que conseguiu identificar e prender os criminosos. Porém, mais de duas décadas depois do assassinato, o crime continua deixando profundas marcas na vida da família do líder indígena: seus três filhos cresceram sem pai, enfrentando muitas dificuldades; sua mãe morreu de desgosto, há dez anos.

Já para os assassinos, a vida corre normal: todos cumpriram suas penas, alguns com denúncias de regalias, mas cumpriram,  e não devem mais nada à . Dos cinco, quatro foram aprovados em concursos e se tornaram servidores em órgãos da administração pública, inclusive na Polícia, e um integra a equipe de um importante escritório de advocacia na capital federal.

 “Atearam fogo em alguém, dizendo ser um João Ninguém, dizendo não ser ninguém.” Os versos de Ubiranan Pataxó, primo de Galdino, nos fazem lembrar de nunca esquecer essa injustiça.

Para sempre, viva Galdino Pataxó! 

Zezé Weiss – Jornalista – Editora da . Capa: Bruna Baez/Reprodução/Internet. 


 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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