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Belchior: "Como nossos pais."

Belchior: “Como nossos pais.”

Belchior: “Como nossos pais

 

Não quero lhe falar

Meu grande amor

Das coisas que aprendi

Nos discos

Quero lhe contar como eu vivi

E tudo o que aconteceu comigo

 

Viver é melhor que sonhar

Eu sei que o amor

É uma coisa boa

Mas também sei

Que qualquer canto

É menor do que a vida

De qualquer pessoa

 

Por isso cuidado, meu bem

Há perigo na esquina

Eles venceram e o sinal

Está fechado pra nós

Que somos jovens

 

Para abraçar meu irmão

E beijar minha menina na rua

É que se fez o meu lábio

O meu braço e a minha voz

 

Você me pergunta

Pela minha paixão

Belchior: "Como nossos pais."

 

Digo que estou encantado

Como uma nova invenção

Vou ficar nesta cidade

Não vou voltar pro

Pois vejo vir vindo no vento

O cheiro da nova estação

E eu sinto tudo na ferida viva

Do meu coração

 

Já faz

E eu vi você na rua

Cabelo ao vento

Gente jovem reunida

Na parede da

Esta lembrança

É o quadro que dói mais

Minha dor é perceber

 

Que apesar de termos

Feito tudo, tudo, tudo

Tudo o que fizemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Como os nossos pais

 

Nossos ídolos

Ainda são os mesmos

E as aparências, as aparências

Não enganam, não

Você diz que depois deles

Não apareceu mais ninguém

 

Você pode até dizer

Que eu estou por fora

Ou então

 

Que eu estou inventando

 

Mas é você

Que ama o passado

E que não vê

É você

Que ama o passado

E que não vê

Que o novo sempre vem

 

E hoje eu sei, eu sei

 

Que quem me deu a ideia

De uma nova consciência

E juventude

Está em casa

Guardado por Deus

Contando os seus metais

 

Minha dor é perceber

Que apesar de termos

Feito tudo, tudo, tudo

Tudo o que fizemos

Ainda somos

Os mesmos e vivemos

Ainda somos

Os mesmos e vivemos

Ainda somos

Os mesmos e vivemos

Como os nossos pais


Antonio Carlos Belchior Cantor e compositor, um dos maiores compositores da língua portuguesa, nascido em Sobral, Ceará, em 26 de outubro de 1946, partiu dos espaços deste mundo em Santa Cruz, , em 30 de abril de 2017. Nossa e nossa saudade!


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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