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Câmara aprova norma com retrocessos à Lei da Mata Atlântica

Câmara aprova norma com retrocessos ao Código Florestal e à Lei da

“Jabutis” colocados em Medida Provisória 1150/2022 fragilizam regularização ambiental e aumentam possibilidade de em vegetação primária na Mata Atlântica. SNUC também foi afetado.

Por Cristiane Prizibisczki/ O Eco

A Câmara dos Deputados aprovou, na tarde desta quinta-feira (30), uma Medida Provisória herdada do governo anterior que não só traz retrocessos ao Código Florestal, mas também à Lei da Mata Atlântica e ao Sistema Nacional de (SNUC). Em seu teor, a MP 1150/2022 trata do Programa de Regularização Ambiental (PRA), um dos passos para que proprietários de imóveis rurais possam se adequar às leis ambientais brasileiras e importante ferramenta das iniciativas de reflorestamento no país. Uma série de “jabutis” inseridos na MP, no entanto, trouxeram também mudanças em outras normas fundamentais do arcabouço ambiental brasileiro.

A MP 1150, por si só, já é ruim. Ela adia, pela sexta vez, o prazo de adesão ao PRA. A questão se arrasta desde 2012, quando o Novo Código Florestal foi aprovado. O texto original dava prazo de um ano para esta adesão, a contar da implantação do programa de regularização. A nova redação dá 180 dias para que isso aconteça, mas somente após o proprietário ser convocado pelo órgão competente estadual ou distrital. Com o prazo contando somente a partir da convocação, o texto proposto abre brechas para que nunca seja cumprido de fato. 

“Em relação ao Código, adia mais uma vez o prazo de adesão dos proprietários de terras ao Cadastro Ambiental Rural para fazer restauração. E ainda adiciona um entrave: estabelece que, para se iniciar esse processo, todos os cadastros precisam ser analisados e validados. Não há qualquer tipo de benefício para que os proprietários possam seguir voluntariamente. Mais uma vez, desmoraliza a lei ao travá-la”, disse Raul do Valle, Diretor de Justiça Ambiental do WWF .

Depois de mais de uma década de sua aprovação, a implementação do Código Florestal ainda anda a passos lentos. Dos quase 7 milhões de imóveis rurais registrados no país, apenas 45 mil foram validados. Esse número não alcança 1% dos imóveis cadastrados. A validação é o primeiro passo para a Regulação Ambiental.

A norma de 2012 perdoou 41 milhões de hectares desmatados ilegalmente, mas 21 milhões ainda precisam ser recuperados. Agora, a MP 1150 deixa em aberto o prazo para iniciar essa recuperação. O Brasil tem 19 milhões de hectares de vegetação em Reservas Legais e Áreas de Proteção Permanente que precisam ser recuperadas.

Jabutis 

No jargão legislativo, “jabuti” é um “contrabando” que os parlamentares fazem ao inserir em uma proposta legislativa um tema sem relação com o texto original. Desde 2016 existe um entendimento do Supremo Tribunal Federal que a prática é inconstitucional, mas ela continua sendo utilizada por deputados e senadores.

Vários dos jabutis inseridos na MP aprovada hoje afetam diretamente a Lei da Mata Atlântica. O texto estabelece, por exemplo, que empreendedores não precisam mais analisar se há vegetação primária na área em que se pretende instalar uma obra. 

As áreas de vegetação primária – aquelas que nunca foram desmatadas ou que estão em recuperação há muitos anos – tinham proteção total na forma como a Lei estava até então redigida. Caso houvesse esse tipo de vegetação no trecho da obra, por exemplo, o empreendedor era obrigado a indicar uma rota alternativa, de forma a não descaracterizar a área.

O texto aprovado hoje também incentiva a expansão urbana sobre áreas de preservação permanente (APP), ao retirar as poucas salvaguardas que existem na legislação. salvaguardas já haviam sido fragilizadas no final de 2021, quando o Congresso mexeu na Lei da Mata Atlântica, permitindo que qualquer margem de rio em perímetro urbano pudesse ser ocupada se a legislação municipal permitisse.

“Sabemos que os órgãos municipais costumam ser muito mais suscetíveis à pressão dos empreendimentos imobiliários”, lembra Raul do Valle, do WWF Brasil. 

Por fim, o novo texto da MP 1150 altera o Sistema Nacional de Unidades de (SNUC), ao tirar o poder do órgão regulador de definir as zonas de amortecimento no entorno de áreas que precisam ser protegidas.

Repercussão

A aprovação da MP 1150 com o texto como está provocou uma série de reações de parlamentares, sociedade civil e organizações ambientalistas. Para Malu Ribeiro, Diretora de da SOS Mata Atlântica, as emendas são inconstitucionais.

“A Câmara dos Deputados acaba de aprovar o maior jabuti da história em uma medida provisória. Sob o pretexto de ampliar o prazo do Cadastro Ambiental Rural e do PRA, esfacelou com a Lei da Mata Atlântica, adicionando uma emenda de plenário a meu ver inconstitucional. Na prática, essa aprovação recoloca o Brasil na contramão do que o espera. Favorece e amplia o desmatamento, afasta o país dos compromissos internacionais do , da água e da . O único bioma brasileiro que conta com uma lei especial foi desrespeitado por bancadas alheias às necessidades da sociedade neste momento de emergência climática. Vamos pedir que o presidente Lula vete a MP em defesa da Mata Atlântica”, disse, em nota enviada a ((o))eco.

Maurício Guetta, consultor Jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), também atenta para a inconstitucionalidade da norma e defende que as mudanças no texto original beneficiam apenas interesses empresariais.

“A redação aprovada está cheia de contrabandos legislativos, com diversos retrocessos, sem relação com o tema original da medida provisória. Ao fazer isso, além de incorrer em inconstitucionalidade formal, o texto propõe verdadeiro desastre ambiental para o pouco que sobrou da Mata Atlântica, para as unidades de conservação e, inclusive, para áreas de risco no entorno de rios. Em meio a tantas tragédias, como a que vemos hoje no Acre, a Câmara se volta contra a população brasileira e o meio ambiente para beneficiar meia dúzia de interesses empresariais”, disse, também em nota.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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