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O CASO EVALDO E A DESASTROSA OPERAÇÃO MUQUIÇO

O Caso Evaldo e a desastrosa

A desastrosa Operação do Exército que levou à morte de Evaldo Rosa

Por Natalia Viana/ Agência Pública

Na tarde de 7 de abril de 2019, um carro com uma família passava por uma travessa próxima à do Muquiço, no bairro de Guadalupe, no Rio de Janeiro, quando foi alvejado por tiros de fuzil do Exército Brasileiro.

O motorista, o músico Evaldo Rosa, morreu na hora. Seu carro foi atingido por 62 tiros. O catador de recicláveis Luciano Macedo, que tentou ajudar Evaldo, também foi fuzilado pelo Exército. Morreu 11 dias depois. Nove militares que atiraram naquela tarde respondem por homicídio, tentativa de homicídio e omissão de socorro na Justiça Militar.

O que não se sabia até agora é que as mortes ocorreram em meio a uma controversa operação militar, que foi questionada pelo Ministério Público Militar; as promotoras chegaram a levantar a possibilidade de responsabilização criminal do general que ordenou a ação.

Na manhã do dia 8 de abril, o Comando Militar do Leste (CML) publicou um comunicado sob o título: “Acerca dos fatos envolvendo militares do Exército que realizavam patrulhamento regular no perímetro de segurança da Vila Militar”. Na verdade, a nota era enganosa.

Meses de apuração da Agência Pública em documentos e depoimentos oficiais revelaram que os militares acusados do fuzilamento não estavam em um “patrulhamento regular”. Eles estavam engajados na Operação Muquiço, que durou de fevereiro a junho de 2019, com pelotões da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada, inclusive o 1º Batalhão de Infantaria Motorizado (Escola) – ao qual pertenciam os 12 réus –, ocupando a favela de mesmo nome.

Não havia autorização legal para os militares agirem em prol da segurança pública, o que só é permitido por um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) assinado pelo presidente da República, de acordo com o artigo 142 da Constituição. O último decreto de GLO para o Rio de Janeiro, assinado por Michel Temer, havia vencido em 31 de dezembro de 2018, data que marcou também o fim da intervenção federal no estado.

Uma operação do Exército para o “término das atividades criminosas”

“Era para agir como aconteceu em toda a intervenção”, explicou, durante audiência na Justiça Militar em dezembro do ano passado, sobre a Operação Muquiço, o tenente Ítalo Nunez, que comandava o pelotão que fuzilou o carro de Evaldo. Quando indagado sobre como deveriam responder se houvesse um enfrentamento, ele repetiu que era “a mesma coisa” que durante a intervenção, no ano anterior. “A gente vai até o local pra cumprir com o nosso dever, o que tava previsto. Quando tem um enfrentamento, se possível, a gente reage.”

A Operação Muquiço foi ordenada em 12 de fevereiro de 2019 pelo general de divisão Antônio , um general de três estrelas, então comandante da 1ª Divisão de Exército, em reação a supostas ações do traficante que comanda o crime na favela do Muquiço, Bruno da Silva Loureiro, vulgo “Coronel', afiliado ao Terceiro Comando Puro.

No dia 7 de fevereiro de 2019, um grupo armado teria invadido um dos apartamentos do prédio, com o intuito de ocupar os vazios no conjunto de prédios chamado PNR (Próprios Nacionais Residenciais), onde vivem famílias de militares, em Guadalupe.

A Operação Muquiço foi uma clara resposta àquela invasão.

Trecho da ordem de operações NR 001, sobre Operação Muquiço
A Operação Muquiço mantinha outras semelhanças com ações conduzidas pelo Exército em operações de GLO no Rio de Janeiro. A Ordem de Operações estabeleceu patrulhamento motorizado com viaturas em pontos de controle estratégicos para o tráfico, incluindo cinco “bocas de fumo” e a casa do traficante Bruno da Silva Loureiro. Nesses pontos, os blindados fariam paradas obrigatórias de pelo menos 15 minutos no máximo a cada quatro horas. Os militares não deveriam desembarcar. Outros “ponto forte” seriam estabelecidos ao redor dos prédios do PNR, na praça da Jaqueira.

“Nessa patrulha a gente também tinha o objetivo de levantar possíveis locais quentes, local onde tinha barricada, boca de fumo, onde era mais provável trânsito de traficante armado, justamente para alimentar a segunda sessão [de patrulhamento]”, disse o tenente Nunez, que comandava a patrulha, na mesma audiência na Justiça Militar.

A Ordem de Operação aponta ainda que, durante a missão, deveriam ser seguidas as “normas de conduta para as operações de GLO e Emprego de Armas não letais” do Comando de Operações Terrestres (Coter) do Exército.

As normas preconizam que os militares devem utilizar arma letal somente em legítima defesa de si e de terceiros, e que sempre devem atirar para ferir, não para matar, mirando os membros inferiores.

A Ordem de Serviço detalhava ainda que as viaturas deveriam estar sincronizadas com o “pacificador” – um software de computador usado para Comandos de Operações de GLO para acompanhar ao vivo e sincronizar as ações de determinada operação.

Finalmente, assim como em todas as operações de GLO, foi criado um Comando de Operações dentro do Comando da 1ª Divisão do Exército para a Operação Muquiço.

O general Antônio Manoel de Barros, que assinou a ordem, saiu do comando da 1ª Divisão do Exército pouco depois (e ainda antes do fuzilamento do carro de Evaldo) para atuar como chefe do emprego da Força Terrestre do Coter. Hoje comanda a Operação Acolhida, destinada a refugiados venezuelanos na fronteira com Roraima.

Primeira operação após intervenção

Era a primeira operação daquele pelotão desde o fim da intervenção. Além da ação ostensiva de ocupação de “pontos fortes” do tráfico na favela, os militares faziam operação de inteligência contra o tráfico de drogas, acompanhando a comunicação dos criminosos por um rádio transmissor obtido dos traficantes anteriormente.

“De missões anteriores, o pessoal conseguiu apreender um radinho que é deles, então a gente fica com essa comunicação desse pessoal, então a gente consegue ouvir o que eles tão falando”, explicou Nunez.

Os réus detalharam também que os criminosos teriam feito ameaças de morte aos militares. “Eu estava na viatura que estava transmitindo e consegui escutar os traficantes falando da ordem, dizendo que o Coronel estava na comunidade e que a ordem dele era executar todo mundo do Exército que estava entrando na comunidade”, afirmou o soldado Gabriel da Silva de Barros Lins.

Nos quatro meses anteriores, as polícias Civil e Militar já buscavam capturar o líder do tráfico da favela, “Coronel”, cuja prisão preventiva fora pedida pelo Ministério Público em setembro de 2018. A PM fluminense conseguira, no fim de novembro, prender o braço-direito de “Coronel”, mas o chefão continuava foragido.

No meio disso tudo, entraram os homens do Exército.

O confronto da manhã de 7 de abril

Os fatos referentes à manhã de 7 de abril de 2019 estão sendo investigados por um Inquérito Policial Militar (IPM) ainda em andamento que apura, por exemplo, por que os soldados deixaram de mencionar a existência do radinho, quando questionados sobre a morte de Evaldo e Luciano, conforme revelado pelo repórter Rafael Soares, do jornal Extra.

Naquela manhã, três viaturas Lince – quadradas, camufladas e blindadas – saíram da Vila Militar, com cinco homens cada uma, para fazer uma ronda na comunidade. Segundo os militares, os blindados foram recebido a tiros. E não conseguiram revidar.

 

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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