O causo do vaqueiro José Francisco de Paula

O CAUSO DO VAQUEIRO JOSÉ FRANCISCO DE PAULA

O causo do vaqueiro José Francisco de Paula

Causos são episódios acontecidos com contadores de estórias enfeitadas pela fantasia, sobretudo as de caçadores e pescadores famosos pelas suas patranhas.  Os tropeiros, os vaqueiros e os peões de fazenda são extraordinários contadores de “causos”, nos quais se misturam elementos míticos e lendários. Via de regra, são o personagem principal, outras vezes, porém, assistiram o episódio.

Por Terra Brasileira

Uma das estórias mais extraordinárias é a do vaqueiro José Francisco de Paula, morador na fazenda São Tomé, município de Santa Cruz, no Rio Grande do Norte, ponto obrigatório de passagem pelos comboieiros e compradores de sal e peixe-voador.

No Alpendrado, quase sempre, estavam cinco ou seis vaqueiros os mascateiros, que, depois da ceia, contavam casos e brigas.

Uma noite em que José Francisco estava apenas com sua mulher ouviu-se um latido desenfreado dos grandes cães de caça que o sertanejo possuía. Não prestou atenção. Em cada semana, na noite da quinta para a sexta-feira, os cães “acuavam” furiosamente.

José Francisco, numa noite alta, entreabriu a janela e viu passar, seguido pela matilha enfurecida, um animal corpulento, meio baixo, roncando e batendo insistentemente as largas orelhas de burro. Vindo, dias depois, um comboio arranchar-se na fazenda, José Francisco contou o episódio. Era a noite fatídica. Um dos comboieiros explicou que o bicho batera em boa porta. Ele trazia justamente cera benta e, bezuntando as balas da “Winchester”, declarou-se pronto para desencantar o fantasma.

Ao nascer da lua, pelas onze e tanto, ouviram a trovoada dos cães de caça e a marcha resfolegada de um animal pesado. Saíram todos e fizeram tocaia. O vaqueiro escolhido escondeu-se perto duma barraca do rio, agora seco pelo verão escaldante. De repente um vulto negro passou, sacudindo as orelhas. Descargas estrondaram, clareando o escurão que o luar não vencera. O bicho, incólume, rumara, num rosnado aterrador, caminho do rio. O vaqueiro dormindo na pontaria, alvejou-o com um tiro fulminante.

O animal, num ronquejo horrendo, caiu pela barranca abaixo, estrebuchando. Correram todos, com archotes. Era um lobisomem. A bala com a cera benta matara-o. Ferido pela morte não se desanimalizara inteiramente. Da cintura para baixo semelhava um porco, sarrudo, cheio de lama e de garranchos, sujo de cascas, as patas firmemente cravadas na areia fofa do rio. Da cintura para cima era um homem moreno-claro, forte, de nariz aprumado, cabeleira fina, anelada, as mãos fechadas na última convulsão.

Enterraram-no ali mesmo, sem cruz, sob montão de pedras, sinalando o local exato da tragédia inacreditável.

José Francisco de Paula mudou-se para Estivas, no município de Ceará-Mirim, onde morreu, anos depois, sem nunca esquecer a noite da caçada impressionante.

 
VAQUEIRO Argosfoto
Foto: Argofoto
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Fontes : Folclore Brasileiro / Nilza B. Megale- Petrópolis: Editora Vozes, 1999. Geografia dos mitos brasileiros / Luís da Câmara Cascudo. – São Paulo: Global, 2002. Fotos apenas a título de ilustração.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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